TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
91 acórdão n.º 55/14 E, sendo assim, não é possível enquadrá-la nas matérias enunciadas no EPARAA, em especial, no seu artigo 67.º, n.º 1, alínea f ) . A configuração pretendida da “remuneração complementar regional” não se acomoda na habilitação estatutária para o efeito, por ter objetivos que lhe são estranhos. Não é, desta forma, atribuída competência legislativa à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para legislar criando um complemento remuneratório alheio aos fins constitucionalmente estabelecidos para a autono- mia. Em especial se esse exercício se faz com o objetivo de neutralizar uma medida da República, emitida no âmbito das suas competências, que recai sobre uma matéria – as remunerações dos trabalhadores em funções públicas – onde deve existir uma preocupação de uniformidade e igualdade relativamente ao todo nacional. Desta forma, concluo que as normas em apreciação enfermam de inconstitucionalidade orgânica, por decorrerem do exercício de competência legislativa pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sem habilitação estatutária ( ultra vires ), por incidir numa matéria não enunciada no EPARAA. Note-se que esta conclusão não será alterada pelo facto de, estando no âmbito do Orçamento Regional, poder ser aqui invocada a autonomia orçamental da região. Da autonomia orçamental decorre a possibi- lidade de alocação livre pela região das suas receitas às despesas que entende serem prioritárias, dentro dos limites da lei e da Constituição. Daí não decorre nenhuma competência legislativa. Não é por a região ter receita disponível para despender num determinado projeto que automaticamente passa a ter competência para legislar sobre essa matéria. Nessa medida, não é relevante o facto de a medida ser sustentada pelo Orça- mento Regional, sem a necessidade de transferências. Não é, por isso, necessário recorrer à análise da violação de uma eventual reserva legislativa da República neste âmbito ou do princípio da unidade do Estado ou da solidariedade entre portugueses. A distribuição de competências entre República e regiões autónomas reflete a configuração do caráter unitário do Estado português. E é esta distribuição que me permitiu concluir que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores não se encontra habilitada para legislar sobre esta matéria. 7. De todo o modo, de notar será ainda, que se a medida introduzida pelas normas em apreciação configu- rasse efetivamente um complemento remuneratório de insularidade aprovado no âmbito da norma estatutária contida no artigo 67.º, n.º 1, alínea f ) , EPARAA, inevitável seria concluir pela sua iniquidade intrínseca. De facto, não é possível identificar um único e mesmo critério na atribuição do abono para todos os escalões remuneratórios. Com efeito, a análise da tabela anexa definidora dos coeficientes de atribuição do benefício revela uma evolução regressiva nos primeiros três escalões remuneratórios, seguindo-se uma curva progressivamente crescente entre o montante das remunerações e o complemento até aos 2000 € , para só a partir daquele montante remuneratório voltar a decrescer à medida que cresce o montante da remuneração. Não é possível descortinar a razão justificativa para a adoção de critérios diferenciados para os diversos esca- lões remuneratórios na atribuição de uma compensação destinada a colmatar o custo da insularidade, o que sempre colocaria problemas ao nível da compatibilidade com o princípio da igualdade. – Maria de Fátima Mata-Mouros. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 13 de fevereiro de 2014. 2 – Os Acórdãos n. os 42/85, 268/88 e 567/04 e stão publicados em Acórdãos, 5.º, 12.º e 60.º Vols., rspetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 246/05 , 258/06 e 258/07 e stão publicados em Acórdãos, 62.º, 64.º e 68.º Vols., respetivamente. 4 – Os Acórdãos n. os 402/08 e 423/08 e stão publicados em Acórdãos, 72.º Vol.. 5 – Os Acórdãos n. os 119/10, 304/11 e 613/11 e stão publicados em Acórdãos, 77.º, 81.º e 82.º Vols., respetivamente. 6 – Os Acórdãos n. os 187/12 e 793/13 e stão publicados em Acórdãos, 83.º e 88.º Vols., rspetivamente.
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