TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Creio, portanto, que a competência legislativa atribuída pela alínea f ) do artigo 67.º do EPARAA deve ser interpretada não de uma forma excessivamente ampla – permitindo a aprovação de todo e qualquer complemento remuneratório – mas reconduzindo-se a uma lógica de correção das desigualdades derivadas da insularidade em matéria de remuneração complementar dos funcionários, agentes e demais trabalhadores da administração regional autónoma. Note-se que as diversas alterações introduzidas no regime da “remuneração complementar regional” mantiveram a sua configuração regressiva em relação à remuneração do beneficiário, i. e. , o complemento remuneratório “de insularidade” manteve sempre a lógica de atribuição do respetivo montante em percenta- gem variável que decrescia na razão inversa do valor da remuneração. O que bem se compreende, dado que o custo de insularidade aumenta necessariamente na proporção em que decresce o rendimento dos ilhéus e suas famílias. Nunca, na razão inversa. 4. Note-se que a análise do complexo normativo em concreto, que é objeto do pedido, e a sua qualifi- cação, não pode deixar de se enquadrar no âmbito de competências do Tribunal Constitucional. De facto, tendo em conta a configuração das normas atribuidoras de competência legislativa às regiões autónomas, dependente da Constituição mas também, e em especial, das listagens constantes dos Estatutos, é essencial verificar se determinada norma está ou não abrangida por essa competência – o que significa interpretá-la e qualifica-la para determinar se está abrangida por uma dessas normas competenciais do Estatuto. 5. Ora, analisando as normas trazidas ao conhecimento do Tribunal Constitucional a esta luz, parece- -me inegável que existe uma subversão do sentido subjacente à “remuneração complementar”. Existe uma incongruência patenteada na tabela que concretiza os coeficientes de atribuição do com- plemento (tabela anexa ao Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de abril, aditada pelas normas sob escrutínio no presente processo) que desvirtua a ratio do complemento remuneratório de insularidade. Com efeito, entre o escalão de remuneração de 621,35 € e o escalão de 2000 € há um progressivo aumento do complemento à medida que aumenta também a retribuição. Se o objetivo da medida se mantivesse como sendo a correção das desigualdades derivadas da insularidade, este aumento só se poderia justificar se o custo da insularidade fosse mais elevado à medida que aumenta o rendimento do respetivo beneficiário. Será que os custos de insularidade são mais elevados para quem aufere maiores vencimentos? Parece evidente que não. Se legislador quisesse corrigir o aumento do custo associado à insularidade, a solução lógica seria a atribuição de progressivamente maiores complementos a quem aufere menores remunerações, com eventuais correções pontuais, mas mantendo um critério uniforme – como fez, de resto, para o complemento regional de pensão – vide artigo 38.º do Orçamento Regional. Acresce a circunstância de o complemento passar a ser atribuído a escalões de remunerações nunca antes abrangidos por tal benefício (o complemento introduzido pelas normas em análise incide sobre remunerações até aos 3050 € ), o que mais uma vez excede os objetivos definidos na instituição do respetivo regime acima já enunciados – ou seja de “diminuir as desigualdades resultantes do baixo valor das remunerações ou pensões auferidas por uma faixa da população residente nos Açores, traduzindo-se numa medida de justiça social”. 6. A estrutura das normas ora sob sindicância não cumpre, pois, o objetivo do complemento de insu- laridade. Ora, não encontrando o propósito de correção das desigualdades derivadas da insularidade do comple- mento remuneratório confirmação na sua estrutura normativa, inevitável será concluir que ela não institui um mero complemento social derivado da insularidade. Uma explicação possível para a medida será então a tenta- tiva de neutralização das reduções remuneratórias impostas aos trabalhadores em funções públicas e restantes trabalhadores do setor público pelo Orçamento do Estado de 2013. Mas esse é um objetivo que redunda na descaracterização da medida e no afastamento do seu objetivo estatutariamente e constitucionalmente estabe- lecido. Certo é que o objetivo visado não será já o da «correção das desigualdades derivadas da insularidade».

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