TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concebida, beneficiasse preferencialmente, numa escala gradual, os trabalhadores com menores rendimentos por serem esses os mais penalizados com o aumento do custo de vida. Por efeito da alteração legislativa introduzida, a remuneração complementar regional apresenta agora a configuração de um mero complemento remuneratório que tem como efeito prático compensar as reduções remuneratórias a que os trabalhadores da administração regional se encontram sujeitos, enquanto trabalha- dores do setor público, nos termos da Lei do Orçamento do Estado e afasta-se manifestamente do conteúdo e da finalidade da medida inicialmente gizada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A. A disposição do artigo 43.º do Decreto n.º 24/2013 não é, nesses termos, reconduzível ao âmbito aplicativo da alínea f ) do artigo 67.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, que inclui na competência da Assembleia Legislativa Regional a possibilidade de instituição de remuneração complementar aos trabalhadores da administração regional autónoma enquanto medida de apoio social justificada pelos custos da insularidade. Nesse sentido, a disposição em causa está ferida de inconstitucionalidade orgânica por ausência, desde logo, de um dos requisitos de que depende a intervenção legislativa regional [artigo 227.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição]. Como se ponderou, por outro lado, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/11, que inci- diu sobre a constitucionalidade de disposições da Lei do Orçamento do Estado para 2011 que impunham reduções remuneratórias em relação a deputados da assembleias legislativas das regiões autónomas e aos membros dos governos regionais, essas são medidas de redução do défice e de sustentabilidade das contas públicas que visam dar resposta institucionalmente abrangente a um problema de emergência orçamental e financeira de amplitude nacional e que só poderão ser eficazmente garantidas ao nível de todas as enti- dades financeiramente relacionadas com o Estado, num quadro de «unidade nacional» e de «solidariedade entre todos os portugueses». E trata-se, por isso, de medidas de contenção de despesa, que ainda que se não encontrem textualmente inseridas na reserva de competência da Assembleia da República, poderão ser feitas prevalecer imperativamente em todo o território nacional e integram a competência implícita do legislador nacional. Esse mesmo critério tem necessariamente aplicação no quadro das reduções remuneratórias que, pelas mesmas razões de emergência financeira, são tornadas extensivas à generalidade dos trabalhadores do setor público, incluindo os trabalhadores da administração pública regional, pelo que também em relação à norma do artigo 33.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2014 se deverá entender que incide sobre matéria que, pela sua natureza, só pode ser regulada pelos órgãos legislativos da República. Também por esse motivo, a Assembleia Legislativa Regional não poderia legislar de modo a contrariar as normas imperativas que estabelecem reduções remuneratórias e que integram a reserva de competência do legislador nacional, incorrendo, também por isso, em violação do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição. É inteiramente irrelevante, por outro lado, que os efeitos financeiros do complemento remuneratório sejam exclusivamente suportados pela dotação orçamental da Região. Como se esclareceu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/11, aos órgãos legislativos regionais, em matéria de competência legislativa concorrencial, não está vedado instituir um regime complementar mais favorável do que aquele que foi uniformemente definido pelo legislador estadual para todo o território nacional, desde que exclusivamente financiado por verbas orçamentais de âmbito regional. O ponto é que se trate de medidas de âmbito exclusivamente regional, até do ponto de vista orçamental, e que não contenda com as matérias reservadas aos órgãos de soberania. Não é esse o caso quando a Região Autónoma se propõe atribuir um complemento remuneratório, ainda que à sua custa, que se destina a esvaziar, no âmbito geográfico da Região, as medidas de redução de despesa que o legislador nacional pretende estabelecer articuladamente para vigorar em todo o território nacional. Neste contexto, não se trata de matéria de mera incidência regional em que a Assembleia Legisla- tiva Regional pudesse interferir. Nestes termos, pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade orgânica do diploma. – Carlos Fer- nandes Cadilha.
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