TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A definição de uma política macro-económica tendente a resolver os problemas das contas da Repú- blica perante credores externos parece-me ser, sem margem para dúvidas, um desses domínios. Os órgãos de governo da República que, neste contexto, tomam decisões, têm que ser capazes (têm que ser constitucional- mente capazes) de fazer incidir os efeitos das suas escolhas sobre todo o território nacional, dada a magnitude dos valores fundamentais que aqui requerem uma solução uniforme para a toda a ordem jurídica. A meu ver, e se a categoria “reserva da competência da República” faz sentido, é precisamente este um dos domínios em que o faz. Não creio que tenha relevância, para a resolução do problema, o facto de a eventual dissensão das regiões face às decisões de política macro-económica nacional se não traduzir em custos orçamentais para o Estado, por ser tomada (essa decisão de eventual dissensão) estritamente à “custa” da região. Uma política macro-económica (precisamente por ser desta índole) procura evidentemente ter efeitos em muitos outras variáveis e em muitos outros domínios que não os estritamente orçamentais ou financeiros. A competência da República para a definir em termos exclusivos, sem possibilidade de dissensão das regiões autónomas, não pode pois ser contra-argumentada com a invocação da autonomia financeira e (ou) orçamental da região. O problema, pura e simplesmente, não passa por aí. 2. O Tribunal também não entendeu que fosse esse o problema. A decisão maioritariamente tomada neste caso, e que conduziu à pronúncia de não inconstitucionalidade, foi integralmente determinada por um outro pressuposto: o de que a matéria em causa era da competência da região, uma vez que se subsumia no disposto pela alínea f ) do artigo 67.º dos Estatutos Político-Administrativos do Açores. Com a assunção deste pressuposto o Tribunal aderiu à tese defendida pelo autor da medida legislativa, segundo o qual as nor- mas sob juízo mais não eram do que a regulação normal do regime de remuneração complementar regional, regime esse iniciado há mais de dez anos e constitucionalmente justificado pela necessidade de compensar os custos de insularidade. Podia o Tribunal ter aderido a esta tese por assumir (em posição metódica que eu entenderia bem mais correta, se bem que com ela não concordasse) que lhe não era possível, em nome do princípio da presunção da constitucionalidade das leis ou de outro que limitasse no caso os poderes de reexame da medida legislativa, concluir que o legislador, in casu , tinha pretendido outra coisa que não a que ele próprio confessava. Mas não foi isso que sucedeu. Na verdade (e segundo creio), o Tribunal tomou como sua a tese defendida pelo autor da norma porque a entendeu defensável face aos princípios constitucionais que fundamentam a existência de regimes de “vantagem”, em termos de prestações sociais, para as regiões [a forma como se responde à questão da desigualdade de tratamento, no território regional, entre trabalhadores que exercem funções públicas tendo como empregador a região e trabalhadores que exercem funções públi- cas tendo como empregador o Estado, e que chega a ser conceptualizada de acordo com os quadros próprios da figura da discriminação positiva, revela bem, a meu ver, esta “deriva” da resposta dada pelo Tribunal para uma justificação da defensabilidade da medida face a parâmetros constitucionais materiais]. Só que a questão que lhe fora colocada não era esta mas uma outra, de estrita natureza competencial. Ora, quanto a este problema de competência, a solução encontrada arrimou-se em argumentos de interpretação do direito ordinário que entendo perfeitamente reversíveis, e, por isso mesmo, não convincentes. Foi por isso que me pronunciei no sentido da inconstitucionalidade, em consonância aliás com o que penso ser o lastro deixado pela jurisprudência anterior, nomeadamente a fixada no Acórdão n.º 613/11. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido por considerar que a alteração introduzida pelo diploma em apreciação no Decreto Legis- lativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de abril, descaracteriza a remuneração complementar regional que aí se encontrava prevista, em termos de não poder considerar-se já inserida no âmbito da competência legislativa regional a que se reporta o artigo 67.º, alínea f ) , do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma
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