TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
85 acórdão n.º 55/14 In casu , porém, justamente pelas razões invocadas supra no n.º 1, o requerente não logrou afastar o âmbito regional do artigo 43.º, n. os 1 e 2, do Decreto n.º 24/2013 e, consequentemente, não demonstrou a necessidade constitucional de a «remuneração complementar regional» ou realidade equivalente ser paga a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas na Região Autónoma dos Açores, independentemente de qual seja a respetiva entidade pública empregadora. E, fora do âmbito da exigência constitucional de tratamento uniforme, pode a Região Autónoma dos Açores no quadro das suas competências compensar os custos da insularidade, tal como postulado pela previsão dos artigos 58.º, n.º 2, alínea b) («complemento regional de pensão»), 61.º, n.º 2, alínea b) («complemento regional à remuneração mínima mensal garan- tida») e 67.º, alínea f ) («remuneração complementar regional»), todos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Assim, a «remuneração complementar regional» não é atribuída aos tra- balhadores da Administração do Estado na Região Autónoma dos Açores, porque de outro modo tal Região extravasaria das suas atribuições e do âmbito regional da sua competência legislativa. – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. A figura da reserva de competência legislativa da República foi sendo construída pela jurisprudência do Tribunal desde meados da década de 1980. Nessa altura e como bem se sabe, a Constituição procedia à repartição de competências legislativas entre Estado e regiões empregando para tanto uma cláusula geral valorativa: as regiões autónomas podiam legislar em matérias que não estivessem reservadas à competência própria dos órgãos de soberania desde que tais matérias fossem do interesse específico da região. Foi neste contexto que o Tribunal disse que o elemento negativo do sistema de repartição de competências – o decor- rente da “reserva de competência própria dos órgãos de soberania” – não podia ser entendido de forma estrita: o âmbito do que fosse a “reserva própria dos órgãos de soberania” não podia coincidir com a lista de matérias expressamente atribuídas, em reserva, pela Constituição à Assembleia da República (a reserva de competência legislativa do Governo é aqui irrelevante) porque se não podia excluir a ocorrência de situações ou a existência de domínios da vida que, não obstante não encontraram lugar em nenhuma das listas cons- tantes dos (hoje) artigos 164.º e 165.º da CRP, reclamassem por condição e natureza a intervenção uniforme do legislador da República para todo o território nacional. A categoria, assim formulada, sustentou-a meto- dicamente o Tribunal nos princípios fundantes do Estado unitário. A inclusão de uma certa matéria nesta “reserva legislativa da República” – que assim se distinguia da reserva de competência legislativa da Assem- bleia da República – seria decidida caso a caso, por recurso à interpretação dos princípios estruturantes do Estado unitário e às exigências de regulação uniforme que dele decorressem. Creio que não vale a pena voltar a mencionar as críticas que então foram feitas a esta construção. O que vale a pena, penso, é salientar como ela se tornou particularmente útil (se não mesmo indispensável) depois da sexta revisão constitucional. Um sistema de repartição de competências fundado, não já na técnica da cláusula geral, mas na técnica da dupla lista – lista das matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania, coincidente com os elencos dos artigos 164.º e 165.º da CRP (o artigo 198.º, n.º 2, conti- nua a ser irrelevante); lista das matérias, estatutariamente definidas, que formam o âmbito da competência legislativa das regiões após a sexta revisão constitucional – seguramente que não será operativo, apenas assim definido, para resolver todos os problemas de conflitos de competências que venham a emergir entre Estados e regiões. Entre os domínios da vida fixados nas normas dos Estatutos Político-Administrativos e aqueles que decorrem do elenco dos artigos 164.º e 165.º da CRP seguramente que haverá muitos outros a reque- rerem regulação, e que nenhuma das duas listas pode prever. E certamente que em alguns desses domínios a competência matricial que, num Estado unitário, o legislador estadual detém – e que é a competência para legislar para todo o território nacional – se converterá em competência reservada, e portanto furtada à possi- bilidade de regulação regional, justamente pelas exigências decorrentes dos princípios da unidade do Estado e da solidariedade entre todos os portugueses.
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