TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL positivo com normas de uma lei ou um decreto-lei de caráter imperativo para o todo nacional, a questão de constitucionalidade que se pode suscitar – e que deve ser decidida pelo Tribunal Constitucional – respeita ape- nas à pretensão de prevalência destas últimas. E esta é uma vantagem metódica da abordagem aqui perfilhada: a necessidade de tutela dos interesses fundamentais do Estado que justificam o afastamento no caso concreto do princípio da supletividade da legislação nacional, dando primazia aos princípios da unidade do Estado e, ou, da solidariedade entre os cidadãos portugueses é discutida diretamente com o representante legítimo daqueles interesses, ou seja, com o autor da norma que pretende a sua aplicação preferencial com base nos aludidos princípios: é ele que tem de convencer o Tribunal Constitucional das boas razões para afastar no caso concreto a mera supletividade da norma nacional, aplicando-a preferencialmente relativamente ao direito de fonte regional. Deste modo, centra-se a discussão naquilo que verdadeiramente é essencial – se os fins e interesses invocados para justificar a pretendida prevalência da norma nacional são constitucionalmente legítimos – e possibilita-se o controlo do exercício de poderes excecionais face aos princípios constitucionais aplicáveis (diferentemente do que sucede em casos como o presente em que o órgão legislativo que afirma a necessidade de prevalência do direito nacional – a Assembleia da República ou o Governo – nem sequer pode intervir no contraditório). 2.3. Revertendo ao caso objeto do presente acórdão, direi que, nesta perspetiva, não tem o Tribunal Constitucional de conhecer e apreciar a eventual incompatibilidade entre o novo regime da «remuneração complementar regional» e a Lei do Orçamento do Estado para 2014; as relações entre esses dois atos legislati- vos relevam exclusivamente do plano infraconstitucional, situando-se, por conseguinte, fora dos seus poderes de cognição e decisão. As únicas questões de constitucionalidade que se podem suscitar, a propósito da imperatividade de normas contidas na citada Lei do Orçamento, dizem respeito tão-somente à respetiva pretensão de aplicação preferencial, com afastamento do princípio da supletividade consagrado no artigo 228.º, n.º 2, da Consti- tuição. O problema coloca-se, nesse particular, em termos análogos àqueles em que a questão foi apreciada pelo Acórdão n.º 613/11 (ainda que in casu a solução possa ser diferente). 3. Em segundo lugar, no que se refere ao princípio da igualdade, considero que o argumento enunciado no Acórdão n.º 423/08 e acolhido no presente acórdão procede, sem mais, apenas em relação à perspetiva nacional (comparação dos trabalhadores da Administração Pública da Região Autónoma dos Açores com trabalhadores em funções públicas residentes fora daquela Região Autónoma). Quanto à perspetiva intrarregional (compara- ção dos trabalhadores que exercem funções públicas ao serviço de diferentes Administrações Públicas na Região Autónoma dos Açores), a procedência do mesmo argumento carece de uma explicação adicional. Com efeito, na ótica do requerente, o que está em causa é o tratamento diferenciado por parte do legisla- dor regional de situações que, por força da Constituição, devem ser disciplinadas de modo uniforme em todo o território nacional, incluindo a própria Região Autónoma dos Açores. Nesses casos, a adoção de normas legislativas regionais induz, salvo reprodução de normas nacionais, a violação da igualdade. Isso mesmo foi reconhecido no Acórdão n.º 793/13: «A «questão chave» é aqui […] a exigência constitucional de uniformidade de regime […] dos trabalhadores em funções públicas. E face a tal exigência, um decreto legislativo regional não é, em princípio, instrumento adequado para disciplinar essa matéria, uma vez que está, por natureza, limitado ao «âmbito regional», no sentido territorial e institucional do termo consagrado pela jurisprudência constitucional (cfr. os Acórdãos n. os 258/07, 423/08 e 304/11). Mas, sendo assim, o vício de inconstitucionalidade radicará, desde logo, no instrumento legislativo, e não no seu conteúdo, qualquer que ele seja; a violação da igualdade será simples consequência da adoção de um regime que não pode deixar de diferenciar entre realidades, em princípio, iguais – os trabalhadores da Administração Pública regional e os trabalhadores das demais Administrações – e que, por isso mesmo, requerem um tratamento igual.»

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=