TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
83 acórdão n.º 55/14 desta, implícita nos mencionados princípios da unidade do Estado e da solidariedade entre os cidadãos por- tugueses. Os poderes regionais seriam, deste modo, confrontados com uma “obrigação negativa de respeito por certas opções legislativas fundamentais do legislador nacional”. Porém, a revisão constitucional de 2004, ao eliminar a categoria de «leis gerais da República», afastou a possibilidade de a competência legislativa regional ser delimitada negativamente por atos legislativos do Estado (ou pelos seus «princípios fundamentais»); aquela competência passou, desde então, a ser definida exclusivamente – de forma explícita ou implícita – pela Constituição, completada pelo catálogo de matérias enunciadas no Estatuto Político-Administrativo da respetiva região [cfr., na Constituição, os artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a) , e 228.º, n.º 1; na jurisprudência, vide em especial os Acórdãos n. os 258/07, 423/08 e 304/11; e, como exemplo do reconhecimento de competência implícita, vide o caso do financia- mento de partidos políticos decidido pelo Acórdão n.º 26/09]. Isto, naturalmente, sem prejuízo de o Estado Português continuar a ser unitário e de, portanto, quer o princípio da unidade do Estado, quer o princípio da solidariedade entre os cidadãos portugueses conti- nuarem a ser mobilizáveis no domínio em que operam de acordo com a sua natureza de normas materiais. Contudo, a aludida «obrigação negativa de respeito por certas opções legislativas fundamentais do legislador nacional», a deduzir eventualmente desses princípios, não implica nem exige uma reserva de competência legislativa dos órgãos de soberania; basta-se, de acordo com uma perspetiva principiológica, com a preferên- cia aplicativa da legislação nacional nos casos em que o maior peso do interesse da unidade do Estado ou do interesse da solidariedade entre os cidadãos portugueses justifica a preterição do princípio da subsidiariedade. Aliás, isso mesmo parece ser reconhecido, ao menos implicitamente, no próprio pedido (p. 15): «Em causa está apenas o reconhecimento de que a legislação emanada dos órgãos de soberania, quando mani- festamente incorpore a defesa de valores constitucionais de primeira grandeza – como a independência do País em face dos credores internacionais e das instituições que os representam e/ou a recuperação, pelos órgãos democrati- camente eleitos, dos seus poderes normais de governação – não pode ter natureza meramente supletiva, nem con- sequentemente ser afastada a sua plena vigência insular pelos órgãos de governo próprio dos Açores e da Madeira.». No Acórdão n.º 304/11 este Tribunal caracterizou o ordenamento resultante do sistema de reparti- ção de competências legislativas entre a República e as regiões autónomas como «pluricêntrico», “com um centro estadual (ou da República) e dois centros regionais de produção de atos legislativos”, e reconduziu o princípioda supletividade consagrado no artigo 228.º, n.º 2, da Constituição ao “critério da preferên- cia aplicativa da normação regional válida, para a resolução dos conflitos normativos (conflitos positivos) entre a legislação regional e a legislação estadual que regule a mesma matéria”. A perspetiva aqui adotada já não é estática e competencial-organizatória, mas dinâmica e material, fundada na relação entre princípios jurídicos: ocorrendo um conflito entre normas nacionais e normas regionais, importa verificar qual delas, atentos os valores constitucionais concretamente em causa, deve prevalecer. E a resposta a esta questão dada no mencionado artigo 228.º, n.º 2, é a de que prima facie deve preferir a norma regional, desde que válida. A supletividade entendida nestes termos é um corolário dos princípios da autonomia político-adminis- trativa das regiões autónomas e da subsidiariedade consagrados no artigo 6.º da Constituição. Deste modo, a mesma supletividade tem de respeitar os fins e os limites daquela autonomia político-administrativa. Daí a necessidade de admitir que normas nacionais imperativas possam prevalecer sobre as normas regionais concorrentes, quando, e se, estiverem em causa os laços de solidariedade entre todos os portugueses e, ou, a integridade da soberania do Estado (cfr. os artigos 225.º, n. os 2 e 3, da Constituição). Julgo ser este o sentido que se deve inferir da jurisprudência do Tribunal Constitucional posterior à revisão constitucional de 2004: desde logo, no Acórdão n.º 613/11, invocado como antecedente pelo requerente; mas também no Acórdão n.º 412/12, a propósito da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS no ano de 2011. Consequentemente, uma vez firmada a validade jurídico-constitucional de uma norma legislativa regional com base na verificação dos respetivos requisitos positivos e negativos de competência, em caso de conflito
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