TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. O novo regime contribui decerto, e em termos não negligenciáveis (de que é exemplo elucidativo a progressividade inicial do coeficiente de atribuição), para a aproximação dos dois institutos. Porém, e como referido no Acórdão, subsistem diferenças relevantes impeditivas de uma total identificação. Acresce que o citado preceito estatutário – expressamente invocado como título habilitante pelo órgão autor das normas ora em análise – consagra uma competência que confere grande espaço de conformação ao legislador democrático regional e que se autonomiza claramente da norma estatutária relativa ao âmbito e regime dos trabalhadores da Administração Pública regional autónoma [cfr. o artigo 49.º, n.º 3, alínea a) , do mesmo Estatuto Político-Administrativo]. Consequentemente, e salvo evidência do contrário, cumpre ao Tribunal respeitar a indicação da norma estatutária habilitante feita pelo legislador regional. De resto – e muito significativamente – o requerente (também) não rejeita nem põe em causa que o sindicado artigo 43.º, n. os 1 e 2, do Decreto n.º 24/2013 incida sobre matéria enunciada no referido Estatuto Político-Administrativo; questiona, isso sim, o seu âmbito regional, na medida em que considera que aquela disciplina normativa «invade» a competência legislativa da República. Não obstante a concordância com o sentido da decisão, afasto-me da sua fundamentação em dois aspetos particulares, ambos relacionados com a compreensão constitucional das competências legislativas regionais e a interpretação que das mesmas tem vindo a ser feita pela jurisprudência constitucional posterior à sexta revisão constitucional, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de julho. 2. Em primeiro lugar, discordo da pertinência de uma análise da reserva de lei da República fundada na consideração do princípio da unidade do Estado e do princípio da solidariedade entre os cidadãos por- tugueses, considerados de per si ou isoladamente, como normas (organizatórias) de competência. Penso, diversamente, que estes princípios correspondem a normas materiais estruturantes do Estado de direito democrático e que, como tal, e em articulação necessária com outras normas materiais e organizatórias, contribuem para a definição do sistema constitucional de repartição de competências legislativas, incluindo as competências implícitas, entre os três centros de poder legislativo: o Estado e as duas regiões autónomas. 2.1. A perspetiva competencial – que é aquela que subjaz ao pedido e a grande parte da fundamentação do Acórdão – é estática e pressupõe a determinabilidade prévia do objeto sobre o qual vai incidir o exercício da competência: uma norma de competência legislativa, por definição, é habilitadora; habilita a legislar sobre os assuntos nela enunciados com maior ou menor densidade. Ora, dos princípios da unidade do Estado e da solidariedade entre os cidadãos portugueses não consegue retirar-se que matérias não consideradas ex professo noutros artigos da Constituição (com especial destaque para os artigos 164.º e 165.º, mas não só) devem ser objeto apenas de lei ou decreto-lei; ou, por outras palavras, um qualquer conteúdo mínimo com- petencial determinável ex ante relativamente ao qual os órgãos do Estado devem estabelecer necessariamente a disciplina legislativa primária. Daí a necessidade de o acórdão se socorrer da análise da imperatividade de normas nacionais infraconstitucionais e dos motivos invocados para a fundamentar ou de uma alegada «ofensa do conteúdo mínimo» daqueles princípios, aferindo a violação do conteúdo competencial de tais princípios por parte de leis regionais unicamente – porque também só assim é aferível – por intermédio da violação de leis nacionais. Por essa via, pode identificar-se um conflito entre fontes normativas infraconstitucionais; mas não uma relação direta e imediata de contradição entre as leis regionais e a Constituição. Do mesmo modo, também não me parece consentânea com a estrutura organizatória da Constituição a ideia de que, numa base casuística e ex post, as leis nacionais podem revelar ou explicitar assuntos e matérias que, por força dos aludidos princípios da unidade e da solidariedade, devem ser objeto de «legislação primária» por parte dos órgãos de soberania. 2.2. A premissa em que assenta o pedido do requerente – sob invocação da jurisprudência do Acórdão n.º 613/11 – é, com efeito, a de que o desrespeito por parte do legislador regional de disposições normativas imperativas fixadas pela Assembleia da República “implica, por inerência, uma violação da reserva soberana”
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