TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
80 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Atendendo às diversas considerações atrás já expendidas – nomeadamente às que salientaram as espe- cificidades resultantes dos custos da insularidade, agora agravados pela diminuição do diferencial fiscal, bem como a circunscrição dos efeitos orçamentais ao orçamento próprio da Região Autónoma dos Açores – conclui-se que haverá razões para permitir à Região instituir ou modelar, através de um complemento de remuneração, uma diferenciação de tratamento, de sentido mais favorável, relativamente ao regime em vigor no continente, não procedendo a alegada violação do princípio da igualdade. 38. Acontece que, no caso em apreciação, conforme reclama o requerente, a solução adotada isola um uni- verso de destinatários que serão objeto de tratamento díspar «apenas» pelo facto de se inserirem em organizações administrativas diversas. E o requerente invoca que a condição regional – de trabalharem na Administração Regional – não é fundamento suficiente para justificar a diferença de tratamento. Aqui, a correção das desi- gualdades derivadas da insularidade – a que se refere o artigo 229.º, n.º 1, da Constituição – não justificaria a discriminação positiva destes trabalhadores da Administração Pública regional em relação aos trabalhadores da Administração não regional a operar na Região, e que tivessem disponível o mesmo rendimento base. Todavia, a razão que possibilita uma tal diversidade de soluções é evidente e pode ser procurada na pró- pria arquitetura da forma de Estado constitucionalmente escolhida: um Estado de estrutura unitária, que, simultaneamente acolhe a autonomia insular (Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, V. II, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 979 e segs.). A autonomia regional (e em especial a autonomia político-legislativa), que a Constituição e os Estatutos Político-Administrativos desenham, concede às Regiões autónomas um papel relevante no sistema das fontes de direito. É a própria opção constitucional por um Estado unitário que «respeita na sua organização e fun- cionamento o regime autonómico insular» (artigo 6.º) que implica a existência de subsistemas normativos regionais diferenciados (Pedro Machete, «Elementos para o estudo das relações entre os atos legislativos dos Estado e das Regiões Autónomas no quadro da Constituição vigente», in Estudo de Direito Regional, Lex, Lisboa, 1997, p. 92). Por força do exercício do poder legislativo das Regiões, coexistem, na ordem jurídica nacional, o sistema legislativo nacional e os sistemas legislativos regionais. Inexistindo uma relação de hierarquia entre o sistema nacional e o sistema regional, está o legislador regional – nos termos e com as condicionantes constitucionais e estatutárias atrás descritos – habilitado a consagrar soluções diferentes das previstas a nível nacional. 39. Assim, o que é pedido ao legislador regional, pelo artigo 13.º da Constituição, é que, dentro do universo jurídico por si criado, não introduza soluções de desigualdade não fundadas. Este princípio «vincula o legislador regional no exercício das suas competências próprias, mas não o subordina, no exercício das suas competências, às soluções encontradas no plano nacional. Diferente entendimento corresponderia, aliás, à negação da própria ideia de autonomia constitucionalmente garantida.» (Acórdão n.º 423/08). Por isso, quando o requerente sustenta que as alterações introduzidas pelos n. os 1 e 2 do artigo 43.º se aplicam imediatamente aos trabalhadores da administração regional autónoma, mediatamente aos trabalha- dores do setor público empresarial regional, e apenas condicionalmente aos trabalhadores da administração local insular, não se aplicando aos trabalhadores da administração pública estadual, que desempenham a sua função no território açoriano, isso resulta, precisamente, do limite de competência do legislador regional. O legislador regional só pode, por si mesmo, atingir o universo circunscrito de destinatários direta ou indiretamente ligados à administração regional. Tal como apenas pode, no exercício da sua competência legislativa, dispor de verbas relativamente às quais seja competente. Como reconhece o requerente, a Assem- bleia Legislativa da Região Autónoma «não pode dispor legislativamente para o Estado e tem de respeitar o estatuto e a autonomia financeiras das autarquias locais». E dentro do universo abrangido no âmbito das suas competências, o legislador regional procurou, até, corrigir desigualdades, alargando o possível leque de beneficiários da remuneração complementar regional. Fê-lo, designadamente, de modo a contemplar os trabalhadores do setor público empresarial regional.
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