TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
75 acórdão n.º 55/14 Mesmo para quem admita que o funcionamento destes princípios terá o seu campo operativo próprio, que não coincide com o universo delimitado pela reserva explícita de competência legislativa dos órgãos de soberania, não será possível, hoje, à luz dos pressupostos constitucionais saídos da 6.ª Revisão da Constitui- ção, avalizar a intervenção do legislador nacional, sem olhar às circunstâncias, aceitando que só a este caiba legislar em qualquer situação em que estejam em causa assuntos que interessam imediatamente à generali- dade dos cidadãos. Relembre-se que, em virtude do modelo desenhado pela Revisão Constitucional de 2004, como princí- pio geral «a Constituição só elenca as matérias sobre as quais é, de forma exclusiva e excludente, competente o próprio Estado [matérias de competência dos órgãos de soberania (…)]», e é aos Estatutos – e não à opção do legislador (estadual) ordinário – que deixa a tarefa de fixação das restantes matérias sobre as quais deci- dem as Regiões (Maria Lúcia Amaral, A Forma da República, p. 377; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 349). Não basta que o legislador ordinário decida que algumas matérias – mesmo que sejam reduções remu- neratórias e proibição de revalorizações – requerem iniciativas legislativas uniformes. Se tal fosse suficiente, o legislador ordinário, na prática, faria a sua própria repartição de competências, ao arrepio do disposto na Constituição e nos Estatutos Político-Administrativos da Região. 30. É indiscutível que a autonomia político-administrativa das Regiões Autónomas, manifestada no exercício do poder legislativo por parte da Região, está condicionada pelo respeito devido à forma unitária do Estado, inscrita no artigo 6.º da Constituição. O princípio do Estado unitário encerra essencialmente a ideia de um “único Estado – uma só constitui- ção, órgãos de soberania únicos para todo o território nacional, uma ordem jurídica, com clara definição da competência das competências políticas e legislativas.” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 231). A consagração constitucional da autonomia das Regiões Autónomas, nas suas diversas expressões – autonomia política; autonomia administrativa; autonomia económica e financeira; autonomia normativa, – implica que o exercício do poder autonómico não prejudique a integridade da soberania do Estado. Mediante a criação e regulação da prestação de remuneração complementar, a Região não afeta a sobe- rania do Estado: ao moldá-la, a Região não está a assumir os poderes dos órgãos de soberania, nem, de modo algum, a bulir com a estrutura unitária do Estado. Exerce, somente, um poder inscrito no regime autonó- mico insular. E este poder, legislativo, traz consigo uma opção política própria da Região. Como se disse, as normas dos n. os 1 e 2 do artigo 43.º alargam e suportam uma prestação predominantemente económico- -social que, em si, não tem interferência nos mecanismos de apoio previstos a nível nacional. 31. O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores argumenta, também, que as normas em apreciação poriam em causa o princípio da solidariedade nacional (artigo 225.º, n.º 2, da Consti- tuição). Diz o requerente que «todos os portugueses se encontram empenhados na construção de um destino comum e que, portanto, devem partilhar equitativamente tanto os benefícios quanto as dificuldades desse percurso». Logo, nas circunstâncias atuais, todos deveriam sofrer o impacto das reduções remuneratórias, o que, em seu entender, não acontece. Ora, como se explicou já, a Região, com esta medida, não pôs em causa as reduções remuneratórias ou as proibições de revalorização salarial. E, ainda que com o complemento remuneratório haja sido minorado o impacto das medidas de redução salarial e do agravamento fiscal resultante da diminuição do diferencial fiscal concedido à Região pela nova Lei das Finanças Regionais, tal prestação não pôs em causa o contributo da Região para o esforço comum da consolidação das contas públicas. Mesmo sendo certo que a redução das remunerações e a proibição de revalorização salarial previstas no Orçamento do Estado são intervenções legislativas que se inscrevem no âmbito de uma orientação estratégica dirigida ao esforço de consolidação orçamental, visando a eliminação do desequilíbrio nas Finanças Públicas
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