TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

741 acórdão n.º 316/14 acontece no caso dos autos) uma afetação da propriedade privada, esta leitura do âmbito do autogoverno municipal parece-me excessivamente alargada, porque sem fundamento constitucional que a sustente. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido a decisão constante do presente Acórdão, seguindo a orientação do Acórdão da 3.ª Secção n.º 24/09, quanto à questão da constitucionalidade da norma dos pontos 1 e 1.1. do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008. Em nossa opinião, o tributo imposto nessa norma não constitui uma contrapartida de um serviço público susceptível de especificação, individualização, proporcionalidade e exigibilidade, características que decorrem do carácter sinalagmático das taxas. Segundo os ensinamentos da doutrina fiscal, acolhidos no n.º 2 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, o critério que diferencia a taxa dos demais tributos (impostos e contribuições financeiras) assenta na existência de um vínculo sinalagmático bilateral: à taxa corresponde uma contraprestação específica da parte do Estado ou de outra pessoa colectiva pública ou dotada de poderes públicos. Com tantas vezes a jurisprudência constitucional tem assinalado, o que caracteriza a taxa é o facto de os indivíduos uti singuli receberem uma prestação pública ou fruírem de uma utilidade ou vantagem proporcionada pela entidade pública mediante o pagamento de uma retribuição cujo montante é autoritariamente fixado pelo legislador ou pela Adminis- tração. Na medida em que tem carácter sinalagmático – isto é, pressupõe benefícios e encargos específicos para os dois sujeitos da relação jurídico-tributária – a taxa tem origem numa causa específica e individualizada, diversamente do que sucede com os impostos e contribuições financeiras que assentam numa causa genérica e não individualizada. Como refere Cardoso da Costa, «as taxas são preços autoritariamente estabelecidos pagos pela utilização individual de bens semi-públicos» e «têm a sua contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo interessado» (cfr. Curso de Direito Fiscal, 2.ª edição Almedina, Coimbra, 1972, p. 11). A contrapartida específica atribuída aos particulares com a cobrança da taxa é pois uma contrapartida individualizada que se exprime em utilidades directamente proporcionadas ao onerado com a taxa. O Estado (ou um ente público que tenha recebido do Estado o poder tributário de fixar taxas) proporciona “utilidades individualizadas” a certos e determinados cidadãos pelas quais cobra um preço público autoritariamente fixado. Os tipos de situações em que se verifica a contrapartida individualizada na utilidade ou nas utilidades proporcionadas estão enunciados no n.º 2 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária: (i) prestação concreta de um serviço público; (ii) utilização de um bem do domínio público; (iii) remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. Nas três modalidades de contrapartidas, a prestação de utilidades, porque é individualizada, confere aos particulares onerados com taxa o direito de exigir que a entidade pública actue de forma a proporcionar-lhes aquelas utilidades. Diferentemente do que ocorre com os impostos, em que o sujeito passivo se encontra numa situação de “sujeição”, na relação jurídica subjacente à taxa, dada a real sinalagmaticidade das presta- ções, o sujeito passivo pode exigir da entidade pública o cumprimento da “prestação devida”, e em caso de incumprimento, pode recusar-se a pagar ou solicitar uma indemnização por lesão de um interesse legalmente protegido. Ora, no caso apreciado no Acórdão, o município cobra uma taxa anual aos proprietários ou entidades exploradoras de equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos sem lhes atribuir qualquer con- traprestação individualizada (a utilização do bem de domínio público, a prestação do serviço público ou o

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