TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
740 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Subscrevo por inteiro a afirmação, feita no acórdão fundamento, de que «o único elemento suscetível de ser erigido em pressuposto de facto do tributo é, afinal, a existência de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos». E, assim sendo, a disposição em causa, quando interpretada no sentido da sua aplicação a posto de abas- tecimento totalmente instalado em terreno privado, constitui um verdadeiro imposto, invadindo a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, especificamente a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República. E, considerando, como considero, que passa também por aí a fronteira do Estado de direito, não posso subscrever um entendimento que se me afigura contribuir para a sua diluição. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida. Não vejo qual seja o fundamento constitucional que permite (ou impõe) o alargamento da noção de taxa municipal que, em revisão de anterior jurisprudência constante, o Tribunal a partir de agora adota. Na argumentação do presente Acórdão, a ideia segundo a qual o conceito (alargado) de taxa será o constitucionalmente devido radica numa premissa essencial: ao município que decide taxar foram devolvidas pela lei competências especiais no domínio de proteção de certos bens públicos (no caso, o ambiente) que vão muito para além das competências gerais de polícia administrativa que cabem por via de regra aos entes locais. Por causa desses deveres especiais de proteção, impendentes sobre o município por atribuição do legis- lador, aquele detém poderes e deveres constantes de fiscalização das ações de privados que contendem com a proteção desses bens. Ao município [que decide taxar] não cabe por isso provar que a ação de fiscalização foi pontualmente exercida, enquanto concreta contrapartida de certo “benefício” concedido ao particular. Como a competência de fiscalização para proteção especial de bens como o ambiente, ao dever ser muni- cipalmente exercida em termos específicos e constantes, torna legítima a presunção do seu cumprimento continuado, deve entender-se que a noção legal de “prestação concreta de um serviço público municipal” se encontra, através da atribuição por lei das competências de fiscalização, em si mesma perfeita. Além disso, diz-se, a existência desses deveres constantes tem ainda como consequência a necessária revisão do conceito legal de “remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”. Este conceito, ainda por causa da atribuição legal, deve ser visto não segundo a “teoria dos limites” mas de acordo com uma perspetiva de “relação”: a remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares não se esgota com o ato do licenciamento (qualquer que seja a entidade competente para o praticar) mas perdura, enquanto categoria legal, enquanto durar a relação licenciada. Subjacente a esta construção, toda ela assente nas consequências decorrentes da atribuição pela lei ao município de deveres especiais de proteção de um certo bem público (o relevante para a resolução do caso), está porém a tese segundo a qual, por causa dessa atribuição, o bem público em causa se tornou um bem público municipal e não estadual. É isto que legitima que nas funções de autogoverno do município se ins- creva ainda a decisão de emitir normas que fixam tributos. Simplesmente, não vejo qual seja o fundamento constitucional que faz ligar à atribuição legal esta determinantíssima consequência. Os confins do auto- governo municipal estão constitucionalmente fixados, e consubstanciam-se na prossecução dos interesses próprios das populações respetivas. Perante esses confins, parece-me difícil sustentar que a atribuição legal ao município de deveres especiais de proteção de um certo bem jurídico seja condição necessária e suficiente para que, após essa atribuição e por causa dela, o ente municipal se torne o único responsável (na aceção constitucional do termo) pela proteção desse bem perante as suas próprias populações, ao ponto de se dis- pensar a intervenção do Estado e da sua lei na decisão de tributar. Sobretudo quando está em causa (como
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