TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL custo dos serviços. Assim, no Acórdão n.º 268/88, para verificação da existência de «interesse específico da Região», que, à data, era ainda requisito positivo de verificação obrigatória para que à Região Autónoma fosse reconhecida competência legislativa, o Tribunal entendeu que «de facto, o trabalhador continental, porque os preços dos bens e serviços essenciais, no seu conjunto, são, no continente, inferiores aos dos Açores, tem de despender com eles menos dinheiro que o trabalhador açoriano», e, em consequência, reconheceu à Região competência legislativa em matéria de institucionalização de suplementos regionais aos salários mínimos nacio- nais. Considerou o Tribunal que «a diferença dos índices do custo de vida, entre os diversos espaços da geografia portuguesa» justificaria o preenchimento do referido requisito, já que tal questão, por essas circunstâncias, seria «merecedora, pelo seu caráter único e exclusivo, de um tratamento próprio». O suplemento regional regulado pelas normas que foram, no citado Acórdão, objeto de fiscalização pelo Tribunal Constitucional é hoje estabelecido pelo diploma em que se inserem as normas sob apreciação, com a designação «acréscimo regional à retribuição mínima mensal garantida». Em suma, no caso das normas em apreciação, conclui-se que a criação de uma remuneração comple- mentar regional não é uma questão da República, mas uma questão de âmbito regional. 27. Será neste ponto que caberá verificar se, como sustenta o requerente, as normas agora questionadas contrariam o reforço da unidade nacional e os laços de solidariedade entre todos os portugueses, pondo em causa a reserva de competência legislativa da República. Entende o requerente que o exercício da competência legislativa regional, traduzido nas alterações ao regime previsto para o complemento de remuneração regional, conduziria a que se esvaziasse, em termos significativos, «o esforço de redução da despesa pública levado a cabo pelos órgãos de soberania», e que não se pode permitir que «medidas legislativas adotadas pela Assembleia da República ao abrigo da sua competência legislativa genérica (161.º) e, só por isso, aplicáveis a todo o território nacional (…) tenham a sua eficácia comprometida em virtude de regimes especiais ou excecionais emanados pelos legisladores regionais, em nome de interesses públicos conjunturais ou parcelares». Por isso, em seu entender, «o desrespeito por parte do legislador regional das referidas disposições normativas fixadas imperativamente pela Assembleia da República implica, por inerência, uma violação da reserva de competência soberana desta, implícita no princípio da unidade do Estado e no princípio da soli- dariedade entre todos os portugueses». 28. A instituição, pelo legislador regional, de uma remuneração complementar favorecendo os trabalha- dores da administração regional direta e indireta, ainda que encontre cobertura estatutária, só poderá ocorrer quando não ponha em causa, designadamente, os princípios do Estado unitário e da solidariedade nacional. Assim, o Tribunal tem exigido (veja-se o Acórdão n.º 304/11) que mesmo em matérias de competência legislativa concorrencial, como em muitas matérias de direitos económicos, sociais e culturais, a Região pode criar um regime complementar mais favorável «desde que com isso não subverta o sentido do regime autonó- mico insular por referência ao princípio do Estado unitário (artigo 6.º da Constituição) e das razões em que a autonomia regional constitucionalmente se funda e dos objetivos que visa (artigo 225.º da Constituição)». No caso, tudo está em saber se estaremos diante de uma questão de interesse nacional, «que não se compadece com a regionalização do seu tratamento normativo, mormente com a abertura incondicionada que a norma sindicada lhe dá». O mesmo é dizer que é necessário saber se «estão em causa valores e interesses que reclamam um acolhimento universal e uma conformação unitária em todo o território nacional, com o controlo e supervisão da atividade confiada concertadamente a uma única entidade, sem deixar margem a configurações desviantes particularizadoras» (Acórdão n.º 402/08). 29. Sempre que exista uma previsão estatutária que defira competência legislativa à Região Autónoma, só em casos muito excecionais (Acórdão n.º 613/11) se deve procurar nas exigências decorrentes do Estado uni- tário e na solidariedade nacional a justificação para o afastamento do exercício dessa competência pela Região.
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