TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

737 acórdão n.º 316/14 interfere permanentemente com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo, o ordenamento do território e a gestão do tráfego. Ou seja, também no caso em apreço se verifica que, no quadro das licenças de exploração dos postos de abastecimento da recorrida inicial, ora recorrente, o Município de Sintra, apesar de não ter sido a entidade emitente das mesmas, fica duradouramente obrigado a suportar atividades que interferem permanentemente com a conformação de bens públicos que tem por atribuição proteger. O mesmo é dizer, que, embora assente na licença de exploração, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento do particular – desde logo, a proibição de poluir – é permanente e não pode deixar de ser imputada ao próprio Município, uma vez que compete hoje à Câmara Municipal de Sintra licenciar a exploração de postos de abastecimento de combustíveis como os da ora recorrente [cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea b) , do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro]. Mas há ainda outros aspetos que importa considerar. Em primeiro lugar, a circunstância de, mesmo em relação aos postos cuja exploração foi licenciada pela Administração central ao abrigo de legislação anterior, serem afetados os bens «segurança» e «qualidade ambiental» do Município de Sintra e dos seus munícipes, e mais em geral, todo do «espaço público muni- cipal» pela prossecução do interesse económico particular do titular da licença. Este impõe – e ao abrigo da licença tem o direito de impor – àquele Município a obrigação de suportar atividades que interferem permanentemente com a conformação de bens públicos. Aliás, em comparação com aquilo que se passa com a inscrição e afixação de mensagens de publicidade em prédios privados, essa interferência e utilização do espaço público é muitíssimo mais gravosa e intrusiva. Depois, há que retirar todas as consequências da ocorrida transferência de competências. Não se justifica distinguir, para efeitos de taxação referente aos condicionamentos do tráfego e acessibilidades e aos impactes ambientais negativos nos recursos naturais – ou seja, relativamente à obrigação do município de suportar atividades que interferem permanentemente com aqueles bens – entre a emissão de licenças de exploração ou suas renovações pela Administração central e a emissão de licenças de exploração ou suas renovações pela câmara municipal. Com efeito, tanto num caso, como no outro, as atividades licenciadas projetam-se da mesma forma e de modo negativo sobre o espaço público municipal. Em terceiro lugar, cumpre ter presente que as taxas a impor com referência ao licenciamento propria- mente dito – por exemplo, apreciação dos pedidos de aprovação dos projetos de construção e de alteração ou as vistorias que antecedem a emissão das licenças – estão previstas no artigo 22.º, n.º 1, alíneas a) e b) , do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, que, no tocante aos respetivos montantes remete, na parte que aqui interessa, para regulamento municipal (cfr. o n.º 2 do citado artigo 22.º). Acresce que as licenças em causa se limitam a verificar que, no momento em que são emitidas, se encontram cumpridos todos os requisi- tos técnicos. Tais licenças e, por conseguinte, as taxas fixadas com referência às mesmas, pura e simplesmente não tomam em consideração os aludidos condicionamentos e impactes negativos no espaço público muni- cipal. Nem o podiam fazer, uma vez que a disciplina jurídica em causa – na tradição que já vem do regime de 1937 – é uniforme para todo o processo de licenciamento de postos de combustíveis, com abstração da entidade competente para a emissão das licenças, se as câmaras municipais, se a Administração central. Esta última distinção competencial é, como referido anteriormente, uma consequência da operacionalização em 2002 da política de descentralização vertida na Lei n.º 159/99, de 14 de setembro. Finalmente, há que ter em conta a longa duração da licença de exploração de postos de abastecimento de combustível: em regra, 20 anos (cfr. o artigo 15.º, n. os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novem- bro; cfr. também supra o n.º 13). Durante todo o período da licença, pode ser exercida a atividade licenciada, que, recorde-se, impacta negativamente em bens públicos. Ou seja, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares – e não parece poder questionar-se, à luz dos interesses públicos a tutelar, a legitimidade de tal regime de licenciamento – não opera instantaneamente, mas permanece durante todo o período de vigência da licença. Considerando conjuntamente todos estes aspetos, a interrogação que se pode formular é a de saber se um município, obrigado a suportar permanentemente no seu espaço público interferências decorrentes de

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=