TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
736 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o anunciante ganha título para uma ativa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da genera- lidade dos cidadãos (cfr., todavia, o Acórdão n.º 437/03). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado – o anunciante – introduz, através da atividade publicitária, mudanças qualitativas na perceção e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, “moldando-o”, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário. Findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da atividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal atividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença. Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários. Já defendida na doutrina (cfr. P. Pitta e Cunha/J. Xavier De Basto/A. Lobo Xavier, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais”, in Fisco , ano 5 (1993), 3 s., 6-7), esta tese ignora a especificidade da contrapartida outorgada ao anunciante, inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis.» Para a decisão do presente recurso, cumpre salientar, além da já assinalada superação da noção restritiva de taxa, o reconhecimento expresso no Acórdão n.º 177/10 da «intervenção administrativa de fiscalização do cumprimento de deveres específicos» ordenada à garantia de «integridade dos valores ambientais, urba- nísticos e outros», e, sobretudo, a importância dada à relação jurídica criada pela licença: “uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma ativi- dade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público”. Em vez do que designou de «modelo de limites», o Tribunal aplicou um «modelo relacional» que coloca no centro a relação jurídica – isto é, os direitos e deveres recíprocos de quem licencia e de quem é licenciado – que se prolonga no tempo. Para o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, este último aspeto, considerado de per si, não relevaria no caso ora sub iudicio , porquanto “o obrigado ao pagamento da disputada taxa não beneficia da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, somente podendo a imposição da mesma fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Casuis- ticamente, o Acórdão n.º 177/10 versou situação referente a taxa por emissão, camarária, de licença para afixação ou inscrição de publicidade em propriedade privada, quando é certo que, para explorar os visados postos de abastecimento de combustíveis, a impugnante teve de obter licença junto de entidade oficial, com nenhuma ligação ao Município de Sintra; que, aliás, nem justifica a liquidação da mesma com esse funda- mento específico“. 16. Tal conclusão afigura-se demasiado apressada. Com efeito – e abstraindo agora dos aspetos conexionados com a «fiscalização do cumprimento de deveres específicos», considerados autonomamente – a verdade é que a licença de exploração de postos de combustíveis, enquanto ato administrativo de execução continuada (ou de eficácia duradoura), também não esgota os seus efeitos num só momento, através de um ato ou facto isolado. Bem pelo contrário, constitui uma relação jurídica duradoura no quadro da qual o licenciado adquire o direito de exercer uma atividade que, mesmo cumprindo os deveres específicos impostos pela legislação e regulamentação técnica aplicável,
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