TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

724 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul fundamentou o seu juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, na violação dos parâmetros contidos nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição. Tais parâmetros estabelecem que no ordenamento jurídico português a criação de impostos deve ser feita através de lei, integrando-se tal matéria na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Verificando-se no caso concreto que os postos de abastecimento de combustíveis se encontram totalmente – “inteiramente” – implantados em propriedade privada, os tributos liquidados pelo Município de Sintra não teriam como fundamento um qualquer correspetivo prestado pela entidade administrativa, assim falhando o conteúdo sinalagmático que deve presidir à aplicação e cobrança de qualquer quantia a título de taxa. Diferentemente, os mesmos tributos seriam exclusivamente marcados pela sua unilateralidade, revestindo a natureza de verdadeiros impostos, o que redundaria em inconstitucio- nalidade por violação das regras constitucionais relativas à competência para a criação de encargos desse tipo. 8. Todavia, mesmo à luz dos parâmetros constitucionais convocados por tal decisão, afigura-se redutora uma análise dos tributos considerando apenas a classificação dicotómica imposto-taxa. Na verdade, importa considerar, fugindo àquela «alternativa excludente», a existência de outras figuras designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” [cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição e o artigo 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária]. Como refere Sérgio Vasques, trata-se de tributos situados “no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos [de que são, ou podem ser, exemplo] não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo cres- cente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de pres- tações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários” [vide o Autor cit., in Sérgio Vasques (Coord.), As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Almedina, Coimbra, 2008, p. 38]. Pode, por isso, afirmar-se com Cardoso da Costa: «[A]figura-se forçoso concluir […] que à luz do direito constitucional português vigente, e para os correspon- dentes efeitos, não é possível manter uma classificação dos “tributos” reduzida à alternativa excludente “imposto” ou “taxa”: a partir do momento em que a Constituição se ocupa delas a se, definindo igualmente a extensão em que ficam subordinadas à reserva de lei parlamentar, importa ainda considerar esse tertium genus de receitas, que incluiu sob a designação genérica de «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas». Na verdade – e, no fundo, dizendo o mesmo por outras palavras – para decidir, face a um determinado tributo, qual o regime de reserva que se lhe aplica, não basta (ou já não basta) apurar qual daquelas qualificações tradicionais lhe convém (ou mais lhe convém): há que ver ainda se ela não cai antes dentro desse terceiro, e residual, tipo de receitas. É certo que na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição não se define mais do que dois tipos de reserva de lei parlamentar: um, com a extensão que acima recordámos [v. p. 797: nos termos do artigo 103.º, n.º 2, daquele diploma – com o qual a mencionada alínea i) do artigo 165.º, n.º 1, deve, nesse capítulo, combinar-se – a reserva – referida, como vai, à “criação de impostos” (e ao “sistema fiscal”) – abrange todos os “elementos essenciais” de cada um deles, ou seja: “a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”], relativo aos “impostos”; e outro, restrito ao respetivo “regime geral”, aplicável às “taxas” e às “demais contribuições financeiras”. Mas, não só isso não põe em causa o que vem de dizer-se, como […] o que justamente é mais significativo (até desse ponto de vista classificatório) é o facto de o legislador constitucional não haver sujeitado esse terceiro tipo de receitas à mesma reserva parlamentar dos primeiros e antes a uma reserva menos exigente, idêntica ou semelhante à que passou a consignar para as taxas: é que, anteriormente, e quando a doutrina e a jurisprudência tinham que ope- rar unicamente com as duas categorias clássicas, a classificação que acabavam por atribuir a muitas dessas situações abrangidas agora pela referência constitucional “às demais contribuições financeiras” – e assim, nomeadamente e em especial, no caso das receitas “parafiscais” – era a de “imposto”, com as correspondentes consequências, em matéria de princípio da legalidade e reserva de lei. Se a nossa leitura do preceito constitucional em análise está correta, quanto a essas receitas – e, desde logo, quanto às receitas ditas “parafiscais” – deixou, pois, de ser assim:

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