TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, as normas em questão versam matéria enunciada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/87, de 26 de março, pela Lei n.º 61/98, de 27 de agosto, e pela Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro). O Estatuto, pelo disposto no artigo 67.º, alínea f ) – norma que possui valor reforçado, nos termos das dis- posições conjugadas dos artigos 112.º, n.º 3, 280.º, n.º 2, alíneas b) e c) , e 281.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Constituição – atribui à Assembleia Legislativa poder para legislar em matéria de «instituição de remunera- ção complementar aos funcionários, agentes e demais trabalhadores da administração regional autónoma». Desta forma, é conferido à Região o poder de instituir uma remuneração complementar e de a conformar. O requerente também reconhece que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Aço- res (Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro) concede à Assembleia Legislativa da Região Autónoma competência para definir o regime legal em matéria de remuneração complementar dos funcionários, agentes e demais tra- balhadores da administração regional autónoma, e que não «se pode legitimamente questionar a capacidade legislativa da Assembleia parlamentar açoriana para rever ou atualizar o regime substantivo da remuneração complementar regional». E mesmo com a reconfiguração do seu regime jurídico, não se pode afirmar que não tenha sido (ainda) a competência legislativa atribuída à Região Autónoma para criar e modelar um complemento de remune- ração aquela que a Região exerceu. 23. A matéria enunciada no artigo 67.º, alínea f ) , do Estatuto Político-Administrativo da Região Autó- noma dos Açores não está abrangida pelas reservas legislativas expressamente delimitadas a favor da República. A norma estatutária credencia a Região para instituir e modelar uma prestação como a que as normas em análise modelam: uma prestação meramente complementar à remuneração, mas com ela não confun- dível, que assume um cariz ainda predominantemente económico-social. O que não se estranha: as normas estatutárias, na delimitação que realizam, traduzem a preocupação da correção das desigualdades derivadas da insularidade (artigo 229.º, n.º 1, da Constituição), já que «a vida nas ilhas, mormente nas menores e mais afastadas, arrasta carências e obstáculos ao pleno fruir de direitos económicos, sociais e culturais» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , Tomo III, Coimbra Editora, 4.ª edição, p. 305). As normas em causa estabelecem um benefício adicional que não pode confundir-se com a remunera- ção percebida, ainda que se repercuta no rendimento disponível de quem dela beneficie. Também por isso, não contendem com matérias reservadas aos órgãos de soberania (pode ver-se, sobre uma outra medida que institui uma prestação deste cariz, o Acórdão n.º 304/11). Não procede, por isso, a invocação do requerente segundo a qual, em virtude de a solução em apreciação consistir, em sua opinião, numa medida relativa à retribuição do trabalho [artigo 59.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição], tal medida caberia na reserva relativa da Assembleia da República, por respeitar a direitos fun- damentais de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias [artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição]. 24. Já atrás se sublinhou que o Tribunal vem entendendo ter a Constituição erigido, igualmente, como parâmetro delimitador da competência legislativa das Regiões, o «âmbito regional» da sua intervenção. Tal implica não somente o respeito pela componente territorial que tal requisito pressupõe, mas ainda a verifi- cação da sua componente material. Ora, no raciocínio do requerente, é o âmbito nacional e não o regional – já que seriam nacionais as medidas imperativas contrariadas –, que definiria esta iniciativa legislativa. O requerente invoca, dissemo-lo já, que as medidas em causa afrontam uma opção legislativa soberana tomada pela Assembleia da República de índole imperativa e de âmbito nacional, já que «anulam ou neutralizam significativamente os efeitos das reduções salariais decorrentes do Orçamento do Estado para 2014, previstas para todo o universo dos trabalhadores do setor público estadual, regional e local com remunerações totais ilíquidas superiores a 675 euros». A ser assim, não seria possível reconduzi-las a medidas de âmbito regional. A unidade do Estado e a solidariedade entre todos os portugueses imporiam uma solução uniforme.
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