TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
713 acórdão n.º 294/14 o âmbito de proteção de tal liberdade – correspondente a um núcleo da liberdade de iniciativa económica privada que, por revestir a natureza de direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, goza do mesmo regime que estes últimos (cfr. os artigos 17.º e 18.º da Constituição) – tendo em conta a necessidade de a coordenar com os direitos dos trabalhadores e com a garantia de uma «equilibrada concorrência entre as empresas» [cfr. o artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição], nem sequer chega a ser tocado pelo regime em apreço (cfr. supra o n.º 12). 16. Relativamente à segurança jurídica, cumpre ter presente, além do circunstancialismo em que foi aprovada a Portaria n.º 213/2010, designadamente a publicidade própria do procedimento de extensão, que tanto a previsão de um regime legal como o que consta do artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho, como a experiência comum em matéria de contratação coletiva afastam a imprevisibilidade de as portarias de extensão conterem disposições de natureza pecuniária com efeitos retroativos. Com efeito, atenta a natureza jurídica de tais portaria e a prática, consistente, dos últimos decénios, é habitual e comum que, após a publicação de uma convenção coletiva ou de uma decisão arbitral, ocorra, alguns meses depois, a publicação do IRCT não negocial visando estender as normas dessa convenção coletiva ou da decisão arbitral aos trabalhadores não sindicalizados na associação sindical e aos empregadores não filiados na associação de empregadores vinculadas por este instrumentos, com carácter retroativo. Deste modo, e concretizando, dir- -se-á que eventuais expetativas dos empregadores, nomeadamente as da A., S. A., ora recorrida, quanto a uma não alteração da disciplina das relações coletivas, incluindo com efeitos retroativos em matéria de disposições de natureza pecuniária, não são legítimas, justificadas nem fundadas em boas razões; e que o Estado também não gerou qualquer expetativa quanto à não alteração retroativa da ordem jurídica nesse domínio, uma vez que, conforme referido, tem sido constante o comportamento no sentido da emissão de portarias de extensão retroativas, em situações como a presente. A retroatividade das disposições de natureza pecuniária contidas em portarias de extensão, por outro lado, é complementar à vocação natural deste tipo de IRCT de aproximar, na medida possível, o estatuto laboral dos trabalhadores não abrangidos pelo IRCT estendido e, bem assim, de aproximar a situação eco- nómica dos seus empregadores – interesses públicos relevantes em matéria de relações coletivas de trabalho e de disciplina da liberdade de iniciativa económica privada (cfr. supra os n. os 5 e 12). Assim, e revertendo à jurisprudência do Acórdão n.º 355/13, no que se refere ao artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 213/2010, verifica-se: (i) que não ocorre uma mutação da ordem jurídica com que, razoavel- mente, os destinatários daquela Portaria não pudessem contar; (ii) que, em qualquer caso, tal mutação é ditada pela necessidade de salvaguardar interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes; e (iii) que a salvaguarda desses interesses não impõe sacrifícios desproporcionados aos emprega- dores destinatários da citada Portaria. No tocante a este último aspeto, que remete para uma ponderação a efetuar nos termos do princípio da proibição do excesso, cumpre salientar que, conforme expressamente referido no preâmbulo da Portaria n.º 213/2010, a retroatividade prevista – efeitos reportados ao primeiro do mês seguinte ao da entrada em vigor do IRCT estendido – não ultrapassa o grau adequado e necessário à intencionada aproximação de regimes de estatutos laborais dos trabalhadores e das condições de concorrência dos seus empregadores e que esta aproximação é conatural ao próprio instituto da portaria de extensão. Além disso, o aviso do projeto de portaria de extensão – publicado pouco tempo depois da decisão arbitral a estender – já anunciava a intenção de atribuir efeitos retroativos relativamente a algumas das disposições pecuniária contidas na decisão arbitral e relativamente a tal intenção não foi deduzida qualquer oposição por parte dos afetados; bem pelo contrário, a única pronúncia sobre a matéria foi no sentido de alargar a eficácia retroativa a um subsídio – o subsídio de turno – não contemplado no artigo 2.º, n.º 2, do projeto de portaria. Por último, o autor da Portaria n.º 213/2010 não ignorou os possíveis impactes financeiros imediatos da retroatividade, procurando mitigá- -los mediante um regime transitório (escalonamento dos pagamentos a realizar, segundo os termos previstos no respetivo artigo 2.º, n.º 3).
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