TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

711 acórdão n.º 294/14 arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança (...), terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. Acórdão n.º 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Tudo está em saber, portanto, em que circunstâncias a afetação da confiança dos cidadãos deve ser considerada “inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa”, sendo sobejamente conhecidos os critérios que a jurisprudência constitucional estabilizou a este propósito (cfr., por exemplo, os Acórdãos n. os 287/90, 303/90 e 399/10, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Assim, a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar (i); e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, o que remete para uma ponderação a efetuar nos termos do princípio da proibição do excesso (ii) . Por outras palavras, a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida legislativa à luz do princípio da proteção da confiança dependerá, em primeiro lugar, de um juízo sobre a legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, que deverão ser fundadas em boas razões, e cuja consistência carece, de acordo com a jurisprudência constitucional, da exteriorização de uma conduta estadual concludente e apta a gerar expectativas de continuidade, por um lado, e da materialização ou tradução em atos (“planos de vida”) da confiança psicológica dos particulares, por outro. Comprovada essa legitimidade, segue-se, em segundo lugar, um juízo quanto à prevalência do interesse público subjacente à medida sobre o interesse individual (a expectativa legítima) sacrificado pela mesma (cfr. Acórdão n.º 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Mesmo quando as alterações legislativas evidenciem aquela prevalência, é ainda necessário apurar se a afetação da confiança assim implicada não é desrazoável ou exces- siva, ou seja, “se o fim do legislador podia ser alcançado por via menos agressiva da confiança e dos interesses dos particulares – por exemplo, através da previsão de disposições transitórias ou indemnizatórias” (Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2011, p. 269).». A existência de uma habilitação legal como a que consta do artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho – e que é aplicável às portarias de extensão – não é de per si expressamente proibida pela Consti- tuição. Simultaneamente, a mesma habilitação legal afasta uma total imprevisibilidade por parte dos destina- tários dos IRCT quanto à possibilidade de virem a ser conferidos efeitos retroativos às respetivas disposições de natureza pecuniária. Em segundo lugar, cumpre ter bem presente a aludida vocação das portarias de extensão e a razão de ser precípua da solução de conferir efeitos retroativos a disposições contidas em IRCT: compensar as perdas de rendimento acumuladas ao longo do tempo de vigência da relação laboral (cfr. supra o n.º 7). Com efeito, «a atribuição de efeitos retroativos, particularmente às cláusulas salariais, obedece assim ao propósito de minorar as perdas acumuladas no passado, através do recuo do momento a que a nova retri- buição possa reportar-se» (assim, vide Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, cit., p. 694). Finalmente, o procedimento de emanação das portarias de extensão acautela minimamente a posição dos seus destinatários.  Com efeito, a portaria de extensão pressupõe uma convenção ou decisão arbitral em vigor no âmbito do setor de atividade e profissional referido naquele instrumento, a qual se encontra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (cfr. os artigos 514.º e 519.º, n.º 1, do Código do Trabalho). O procedimento de extensão inicia-se com a publicação de um projeto de portaria no Boletim do Trabalho e Emprego (cfr. o artigo 516.º, n.º 2, do Código do Trabalho). Qualquer pessoa singular ou coletiva – e não apenas as associações sindicais ou os empregadores – que possa ser, ainda que indiretamente, afetada pela extensão pode deduzir oposição fundamentada, por escrito, nos quinze dias seguintes à publicação do projeto (cfr. o artigo 516.º, n.º 3, do Código do Trabalho). Uma vez aprovada, a portaria de extensão é publicada no Boletim do Trabalho e Emprego e no Diário da República (cfr. o artigo 519.º, n. os 1 e 2, do Código do Trabalho). Em suma, a mutação da ordem jurídica consubstanciada numa portaria de extensão, mesmo que esta confira eficácia retroativa às suas disposições de natureza pecuniária, não corresponde a um facto normativo com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar; e a finalidade precípua de igualização do estatuto dos trabalhadores não abrangidos por uma convenção coletiva ou decisão

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