TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
710 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL outro lado, a retroatividade em apreço ainda se pode considerar coberta pela habilitação constitucional do legislador ordinário de regular a eficácia das normas das convenções coletivas, tal como entendida pela juris- prudência do Tribunal Constitucional (cfr. os Acórdãos n. os 306/03 e 282/05). Deste modo, pode concluir-se com meridiana clareza que a possibilidade de se aprovarem portarias de extensão – as quais podem inclusivamente conferir eficácia retroativa a disposições de natureza pecuniária, tal como previsto no artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho – corresponde ainda a «uma forma de modelar o exercício da atividade económica privada» destinada a «dar resposta às exigências constitucionais em matéria de direitos dos trabalhadores» (cfr. o Acórdão n.º 392/89), não interferindo com os aspetos garantísticos da liberdade de iniciativa económica, nomeadamente no tocante à liberdade de gerir a empresa sem interferên- cias externas. Precisamente porque tal liberdade é delimitada negativamente pela necessidade de salvaguardar os direitos dos trabalhadores e de garantir uma «equilibrada concorrência entre as empresas» [cfr. o artigo 81.º, alí- nea f ) , da Constituição], o respetivo âmbito de proteção – correspondente ao núcleo da liberdade de iniciativa económica privada que, por revestir a natureza de direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, goza do mesmo regime que estes últimos (cfr. os artigos 17.º e 18.º da Constituição) – nem sequer chega a ser tocado pelo regime em apreço. E, consequentemente, também não é inconstitucional, designadamente por violação da liberdade de iniciativa privada, a questionada admissibilidade de as portarias de extensão conferirem eficácia retroativa a determinações de natureza pecuniária constantes dos IRCT a estender. 13. A ponderação do mesmo tipo de interesses acaba por ser relevante no que se refere à segurança jurí- dica, considerada nesta perspetiva abstrata: o citado preceito legal também não viola o princípio da segurança jurídica nem a respetiva vertente subjetiva, isto é o princípio da proteção da confiança. O princípio da segurança jurídica decorre do princípio mais vasto do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Com efeito, o Estado de direito é, também, um Estado de segurança (cfr. o Acór- dão n.º 108/12). Como já tem sido afirmado, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjetiva, a uma ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica e trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objetivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade (Blanco de Morais, “Segurança Jurídica e Justiça Constitucional” in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, p. 625). Nas palavras de Reis Novais, «[A] proteção da confiança dos cidadãos relativamente à ação dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de direito. Sem a possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis desenvolvimentos da atuação dos poderes públicos suscetíveis de se repercutirem na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, em última análise com violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objeto do acontecer estatal. Essa proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica é, se quisermos, o lado subjetivo da garantia mais geral da segurança jurídica inerente ao Estado de direito» (cfr. Os Princípios Consti- tucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pp. 261-262). Como decidido no Acórdão n.º 355/13: «[F]ora dos casos de retroatividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo-ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”. Neste sentido, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável,
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