TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

71 acórdão n.º 55/14 ladas senão por órgãos legislativos do Estado» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, Coimbra, 2010, p. 661). É pacífico que o recurso, pelo Tribunal Constitucional, a uma interpretação extensiva da reserva dos órgãos de soberania – tantas vezes operada pela invocação do caráter unitário do Estado e dos laços de soberania nacional – não pode ser vulgarizado de tal modo que faça renascer a necessidade de fazer intervir a noção de «interesse específico da região» abandonada pelo texto constitucional na revisão de 2004. Eram consideradas matérias de «interesse específico da região» «aquelas matérias que lhes respeitem exclusivamente ou que nelas exijam um especial tratamento por aí assumirem particular configuração» (Acórdão n.º 42/85). Relembre-se que a Revisão Constitucional de 2004 pretendeu alargar as competências legislativas regionais, e atribuir aos Estatutos o papel determinante na fixação das matérias da competência regional. Essa necessária contenção veio a ser relembrada no Acórdão n.º 613/11. No aresto, relativizou-se a importância da matéria sobre que versam as medidas legislativas. Apesar de relevante para aferir das condi- cionantes à competência legislativa insular, não foi a consideração da matéria em si que conduziu à solução encontrada. Determinantes seriam as circunstâncias de emergência económico-financeira do País em que eram adotadas as medidas e o contributo que para a solução desta dariam as normas aí questionadas. No Acórdão vinha impugnada, entre outras, a medida de redução remuneratória imposta pela Lei do Orçamento do Estado para 2011. O então requerente – o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira – contestava que, pelo seu caráter imperativo, tal norma prevalecesse sobre quaisquer normas em sentido contrário, aplicando-se, consequentemente, aos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, aos membros dos Governos Regionais, bem como aos trabalhadores de órgãos e serviços da administração pública regional, incluindo o setor empresarial regional, já que ficaria vedada às Regiões Autónomas a emissão de legislação em sentido contrário. Discutiu-se, no aresto, se a medida incidiria sobre uma matéria de «âmbito regional». O Acórdão veio a concluir que «não é, portanto, a matéria em si mesma que “não pode, pela sua natu- reza eminentemente nacional, ser regulada senão por órgãos legislativos do Estado”, mas são antes circuns- tâncias macroeconómicas de âmbito nacional e internacional que determinam, sob pena de total ineficácia, que as medidas concretamente tomadas pelo Estado possam adquirir imperatividade a nível de todo o terri- tório nacional, tendo, até, em vista, como se afirmou já, “(…) o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses” e, bem assim, “(…) a integridade da soberania do Estado (…)” (cfr. artigo 225.º, n. os 2 e 3, da Constituição)». Ou seja, decidiu-se que «Não é sustentável (…) a ideia de que nunca, e em circunstância alguma, possa haver medidas legislativas que muito embora não estejam textualmente no domínio da reserva de compe- tência da Assembleia da República sejam, por motivos de relevante interesse nacional, tomadas imperativa- mente para todo o território nacional». No caso, o Acórdão descrevia a medida de redução remuneratória aplicável às Regiões Autónomas como consubstanciando «parte relevante de um desígnio nacional global, nomeadamente quando se possa dizer que as medidas tomadas pelo legislador parlamentar visam, em conjunto articulado com outras, provocar efeitos de escala nacional e de repercussão internacional prevenindo assim os prejuízos (ou o aumento dos prejuízos) associados ao défice e à dívida pública excessivos». Em suma, concluiu-se que a medida de redução remuneratória, a nível nacional ou regional, tinha um objetivo que o referido Acórdão expressamente enunciava: no contexto macroeconómico da crise financeira, pretendia operar uma redução do excesso da dívida pública, mediante contenção das despesas com pessoal. Tendo por referência o quadro traçado, vejamos, então, se a Região Autónoma dos Açores podia, neste caso, exercer o seu poder legislativo. 22. Como se assinalou, para que a Região Autónoma possa exercer a sua competência legislativa, a Constituição exige que a matéria a que respeite o decreto legislativo regional esteja enunciada no respetivo Estatuto Político-Administrativo.

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