TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
709 acórdão n.º 294/14 Embora estas duas posições se reportem a objetos normativos distintos, respetivamente o artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 213/2010 e o artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho, a verdade é que partilham do mesmo ponto de vista quanto à inadmissibilidade de princípio da retroatividade de IRCT não negociais. Com efeito, para ambas, a retroatividade de tais instrumentos é considerada constitucionalmente ilegítima in abstracto. Daí a necessidade de a sentença recorrida se louvar numa interpretação restritiva (e alegadamente conforme à Constituição) daquele preceito legal. Contudo, e como já referido (cfr. supra o n.º 4), caso a apreciação a fazer neste plano conduza a um juízo negativo de inconstitucionalidade, a decisão do presente recurso exigirá, para além dessa, uma aprecia- ção da concreta estatuição de efeitos retroativos constante do preceito regulamentar, ou seja, a valoração da retroatividade in concreto. Por outro lado, justifica-se analisar a compatibilidade constitucional da retroatividade não apenas em qualquer um daqueles dois planos à luz do parâmetro da liberdade de iniciativa económica, como também – e como defendido pelo Ministério Público nas suas alegações – em confronto com o parâmetro da segurança jurídica, atentas as referências – também na sentença recorrida – ao tópico dos “direitos adquiridos”. 12. Começando pela apreciação da admissibilidade constitucional in abstracto da atribuição por via de portaria de extensão de efeitos retroativos a disposições de natureza pecuniária, cumpre ter presente a função específica desempenhada por aquele tipo de IRCT: «a efetivação da igualdade de tratamento no domínio objetivo e/ou subjetivo de aplicação da convenção ou decisão existente», a qual é alcançada mediante a ampliação do âmbito pessoal de aplicação – superando os limites decorrentes do princípio da filiação – de um dado regime preexistente; daí a sua caracterização como «meio de modificação das condições de apli- cação dessa convenção ou decisão, o que, desde logo, implica que são os termos de vigência deste último instrumento que determinam o ciclo de eficácia da portaria» (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, cit., pp. 92 e 681). Ou seja, relativamente a situações económica e socialmente semelhantes às que se encontram disciplina- das por convenção coletiva ou decisão arbitral, a portaria de extensão é admissível aí onde inexista um IRCT negocial e, uma vez aprovada, pode ser afastada por um IRCT negocial posterior (cfr. os artigos 484.º, 514.º, n.º 2, e 515.º, todos do Código do Trabalho). Por isso, e também na medida em que alarga o número de empregadores e trabalhadores sujeitos à disciplina constante de convenções coletivas, a portaria de extensão também pode ser perspetivada como um modo de promoção da contratação coletiva (cfr. o artigo 485.º do Código do Trabalho). Como observa Monteiro Fernandes, «Na prática, a extensão é frequentemente determinada logo que entra em vigor uma convenção, tendo em vista a cobertura de trabalhadores não sindicalizados ou membros de sindicatos minoritários que a não subscreveram. […]. De qualquer modo, os pressupostos da extensão tornam evidente que se trata de um processo estritamente supletivo ou residual perante a negociação coletiva, não podendo sobrepor-se-lhe quando esta exista ou seja viável» (cfr. Direito do Trabalho, cit., p. 680).» Decorre do exposto, uma vocação das portarias de extensão para replicarem o conteúdo dos IRCT a que respeitam, incluindo no que se refere a eventuais cláusulas pecuniárias com efeitos retroativos, pois só desse modo se consegue a intencionada igualização de tratamento entre os trabalhadores abrangidos pelo IRCT estendido e os que por ele não são abrangidos mas exercem a mesma atividade e, outrossim, a prevenção de indesejáveis distorções entre empresas que concorrem entre si. A tal vocação acresce a razão de conveniência invocada pelos representantes dos trabalhadores por ocasião da discussão da proposta de lei que esteve na origem da Lei n.º 9/2006, de 20 de março: eliminar o incentivo a que os empregadores se coloquem fora dos processos de negociação coletiva para beneficiarem de uma vinculação à convenção coletiva o mais tar- dia possível, nomeadamente a partir do início de vigência da portaria de extensão (cfr. supra o n.º 6). Por
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