TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

708 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para uma posição insignificante, nem podendo, bem assim, impor-lhe condicionamentos ou restrições que tornem o seu exercício particularmente oneroso. Respeitados esses limites, o legislador pode perfeitamente modelar o exercício da atividade económica privada. E mais: tem de impor-lhe condicionamentos e restrições várias: antes de mais, para dar resposta às exigências cons- titucionais em matéria de direitos dos trabalhadores. Assim, a atividade económica privada tem, desde logo, de sofrer limitações decorrentes dos seguintes preceitos da Lei Fundamental: do artigo 53.º, que proíbe “os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”; do artigo 54.º, que garante aos trabalhadores o direito de criarem comissões de trabalhadores (n.º 1) e comissões coordenadoras (n.º 3), visando a “intervenção democrática na vida da empresa”; do artigo 55.°, que reconhece às comissões de trabalhadores, além do mais, o direito de “exercer o controlo de gestão nas empresas” [alínea b) ]; do artigo 56.°, que garante aos trabalhadores o direito de exercerem “a atividade sindical na empresa” [alínea d) do n.° 1]; do artigo 57.°, que, como se viu, reconhece às associações sindicais o direito de exercerem a contratação coletiva, nos termos da lei (n.° 3) e prescreve que a “legitimidade para a celebração das convenções coletivas de trabalho”, e bem assim as regras respeitantes “à eficácia das respetivas normas” são estabelecidas por lei (n.° 4); e do artigo 58.°, que reconhece aos trabalhadores o direito à greve (n.° 1) e proíbe o lockout (n.° 3).» 11. Na sentença recorrida a Mm.ª Juíza a quo entendeu que a retroatividade estatuída no artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 213/2010 viola a liberdade de iniciativa económica privada com base no seguinte entendimento: «[É] sabido que as empresas são entidades organizadas que dependem de uma gestão económico-financeira criteriosa e ponderada e, no âmbito desta, a previsibilidade dos custos assume papel decisivo. Por tal facto, a impo- sição de compromissos salariais, fazendo-os retroagir meses (no caso vertente mais de cinco meses) põe em causa a dita organização e, consequentemente, a iniciativa económica tornando as empresas menos competitivas (nalguns casos pondo em causa a própria sobrevivência) além de reduzir as possibilidades de aumento da empregabilidade.» Uma tal posição não é inédita – foi, aliás, defendida nos trabalhos preparatórios da Lei n.º 9/2006, de 20 de março (cfr. supra o n.º 6) – e tem o apoio de alguma doutrina, em que se destaca, desde há muito, Luís Gonçalves da Silva, que, referindo-se ao artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho, defende: «Consideramos – como já antes tínhamos defendido face à LRCT [ – o Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro – ] o atual regime legal claramente violador da Lei Fundamental, desde logo, da liberdade de iniciativa económica. De facto, a retroatividade dos instrumentos não negociais impossibilita que os empresários computem, com a antecipação necessária, os custos atinentes às cláusulas pecuniárias, o que coloca em crise a confiança que é essencial para uma efetiva iniciativa privada – que tem, como se sabe, arrimo na Lei Fundamental (artigo 61.º, n.º 1) –, além de fazer perigar o sistema de economia de mercado tal como o princípio da proteção à confiança, verdadeiro alicerce do Estado de direito. Por outro lado, note-se que há violação de um direito adquirido. Com efeito, o empregador já realizou as prestações de natureza pecuniária a um determinado valor, pelo que obrigá-lo a um acréscimo pecuniário é, sem dúvida, violar um direito adquirido, cujo respeito é considerado um princípio geral de Direito com dignidade constitucional. Diversamente, esta colisão constitucional não se verifica no caso dos instrumentos de natureza negocial. A exce- ção ao princípio geral da não retroatividade dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negocial, no âmbito das cláusulas pecuniárias justifica-se nomeadamente, face ao fim de evitar que o prolongar das negociações tenha como consequência a perda do valor real da retribuição durante esse período; por outro lado, são os próprios destinatários da regulação que assim estabelecem – autorregulação – não havendo, deste modo valores de liberdade de iniciativa económica, de segurança ou de direitos adquiridos afetados.» (cfr. Código do Trabalho Anotado , cit., nota V ao artigo 478.º, p. 950).

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