TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

707 acórdão n.º 294/14 à atuação estadual”, mas antes de um direito que, em certa medida, exige que o Estado (e os demais poderes públicos) se abstenha(m) de o colocar em causa, mediante intervenções desrazoáveis ou injustificadas. Tal direito fundamental compreende, em si mesmo, uma “vertente decisório/impulsiva”, que resulta na faculdade de formação da vontade de prosseguir determinada atividade económica e de lhe dar início, e uma “vertente organizativa”, que pressupõe a liberdade de determinar o modo de organização e de funcionamento da referida atividade económica (cfr. Acórdãos n.º 358/05 e n.º 304/10). Porém, a verificação de que o “direito à livre iniciativa privada” partilha de algumas características dos “direitos, liberdades e garantias” não significa que todo o respetivo conteúdo normativo possa beneficiar da integralidade daquele específico regime constitucional. Para tanto, imperioso se torna que seja possível extrair do conteúdo daquele direito um “conteúdo essencial” que corresponda à “dimensão negativa” dos “direitos de liberdade”. Dito de outro modo, só a parcela do “direito à livre iniciativa privada” que corresponda a um dever de abstenção do Estado face àquela livre conformação do indivíduo (ou da pessoa coletiva) é que beneficia do regime específico dos “direitos, liberdades e garantias”, ficando assim sujeito à reserva legislativa parlamentar fixada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.» Sobre o papel do legislador neste domínio, disse-se no Acórdão n.º 328/94: «[O] direito de liberdade de iniciativa económica privada, como facilmente deflui do aludido preceito consti- tucional [ – o artigo 61.º, n.º 1 – ], não é um direito absoluto (ele exerce-se, nas palavras do diploma básico, nos quadros da Constituição e da lei, devendo ter em conta o interesse geral). Não o sendo – e nem sequer tendo limites expressamente garantidos pela Constituição (muito embora lhe tenha, necessariamente, de ser reconhecido um conteúdo mínimo, sob pena de ficar esvaziada a sua consagração constitucional) – fácil é concluir que a liberdade de conformação do legislador, neste campo, não deixa de ter uma ampla margem de manobra». E o Acórdão n.º 289/04 retirou a consequência devida deste entendimento: «Mais limitado será, todavia, o domínio no qual este direito fundamental beneficia de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, portanto, da sua específica proteção. Este domínio mais restrito diz respeito ape- nas aos «quadros gerais e aos aspetos garantísticos» da liberdade de iniciativa económica [cfr. Acórdão n.º 329/99 (…)], que digam respeito à liberdade de iniciar empresa e de a gerir sem interferência externa. É, pois, apenas quanto a este núcleo da liberdade de iniciativa económica privada que, por aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, e por revestir a natureza de direito de natureza análoga, existe uma reserva de lei parlamentar.» Como reconhecido no Acórdão n.º 392/89 – em que também estava em causa a apreciação da cons- titucionalidade de normas de uma portaria de extensão –, estes princípios são igualmente válidos em face da necessidade de compatibilização da liberdade de iniciativa económica com os direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagrados: «O direito à iniciativa económica privada vem a traduzir-se num direito à livre criação de empresas e no direito, bem assim, de as gerir com autonomia, ou seja, sem interferências externas. Isto não significa, como é óbvio, que o direito à iniciativa económica privada seja um direito “absoluto”, cujo conteúdo esteja determinado “naturalmente”. Para além de ter de conviver com outros direitos e de, logo por aí, haver de sofrer limitações, a iniciativa eco- nómica privada tem uma função social a cumprir: há-de ser “instrumento de progresso coletivo”. E, depois, há-de exercer-se, embora livremente, “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei”. Significa isto que os operadores económicos privados podem reivindicar um espaço para o exercício da sua atividade, não podendo a lei suprimi-lo ou reduzi-lo em termos de remeter o sector de atividade económica privada

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