TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
706 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL desequilíbrio de poderes negociais. Mas as soluções negociadas e contratadas no plano coletivo, em si mes- mas consideradas, não podem ser consideradas discriminatórias dos trabalhadores ou dos empregadores, já que as mesmas radicam, em larga medida, na contraposição dos interesses de ambos. Os trabalhadores e os empregadores abrangidos por um dado IRCT não são, neste sentido, iguais mas sim diferentes; e, por isso, justifica-se que as soluções do IRCT aplicáveis a cada um deles não sejam as mesmas. Ou seja, as diferenças têm nesse caso – como, de resto, sempre que existe uma diferença de interesses relevante entre as partes de um instrumento regulatório – um fundamento material manifesto. E o que o princípio da igualdade proíbe como arbitrárias são as diferenciações de tratamento «que se baseie[m] num critério que não possa ser relevante, considerando o efeito útil visado» (cfr. o Acórdão n.º 275/02). Aliás, a proceder o argumento da violação da igualdade invocado nestes termos pela decisão recorrida – ou seja, contrapondo a posição dos trabalhadores à dos empregadores – o mesmo não radicaria na estatuição regulamentar da retroatividade dos efeitos das cláusulas pecuniárias da decisão arbitral, mas na própria cláusula da decisão arbitral estendida. Por outro lado, o que pode ter sentido comparar, para aferir de uma eventual violação do princípio da igualdade, é a situação dos empregadores que operem no mesmo setor de atividade económica e que não são abrangidos pelo IRCT considerado com a dos empregadores abrangidos por tal IRCT; e, bem assim, a situa- ção do universo dos trabalhadores das profissões e categorias profissionais previstas no IRCT considerado mas por ele não abrangidos com a dos trabalhadores abrangidos pelo mesmo IRCT. E, de resto, é justamente essa a finalidade precípua da Portaria n.º 213/2010 e da estatuição da retroatividade dos efeitos das cláusulas pecuniárias nela prevista: a extensão destina-se «a aproximar os estatutos laborais e as condições de concor- rência entre as empresas do setor de atividade abrangido, [pelo que se] determina a produção de efeitos da tabela salarial, do subsídio de alimentação e do subsídio de turno a partir do dia 1 do mês seguinte ao da entrada em vigor [da decisão arbitral]» (cfr. o preâmbulo). Como referido, é precisamente nesta padronização ou generalização de estatutos definidos no plano da contratação coletiva que se traduz a função corretiva e sistémica das portarias de extensão (cfr. supra o n.º 5). Pelo exposto, a estatuição de efeitos retroativos contida no artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 213/2010, de 15 de abril, não se pode considerar como uma medida arbitrária e, portanto, tal preceito não viola o princípio da igualdade. 10. No que se refere à alegada violação da liberdade de iniciativa económica privada, cumpre come- çar por recordar que tal direito de liberdade «se exerce nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral» (cfr. o artigo 61.º, n.º 1, da Constituição). Como se escreveu no Acórdão n.º 76/85, seguindo a doutrina: «[A] liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e atividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário). Ambas estas vertentes do direito de iniciativa económica privada podem ser objeto de limites mais ou menos extensos. Com efeito, esse direito só pode exercer-se ‘nos quadros definidos pela Constituição e pela lei’ (n.º 1, in fine ), não sendo portanto um direito absoluto, nem tendo sequer os seus limites constitucionalmente garantidos, salvo no que respeita a um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante, que a lei não pode aniquilar, de acordo, aliás, com a garantia de existência de um sector económico privado». Por outro lado, valem em relação a tal liberdade as considerações feitas, entre muitos outros, no Acórdão n.º 75/13: «Tem sido reiteradamente afirmado que a mera inserção do artigo 61.º no Título relativo a “direitos, sociais e económicos” não o priva de uma certa dimensão de “direito à não intervenção estadual”, que é típica dos “direi- tos, liberdades e garantias” (cfr. Acórdãos n.º 187/01 e n.º 304/10). Não se trata, portanto, de um mero “direito
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