TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
705 acórdão n.º 294/14 «[C]ompreende-se que instrumento negociado pelos contratantes – representantes de entidades patronais e trabalhadores – esteja autorizado a conferir eficácia retroativa a cláusulas de natureza pecuniária uma vez que se trata de acordos concluídos após processo de negociação dos envolvidos durante o qual os mesmos, após a devida ponderação, voluntariamente, cedem nos interesses que lhes respeitam encontrando, desse modo dialogante, um equilíbrio de valores e interesses que todos beneficia. Mas tal processo de negociação e cedência voluntária não existe nos instrumentos de regulamentação coletiva não negociados como é o caso das Portarias de extensão que não resultam de um ato voluntário mas de uma impo- sição visando a extensão de determinado acordo coletivo a terceiros que nele não intervieram e que, por via dela, passam a estar vinculados aos comandos que dele resultam.» Mais: a compatibilização da retroatividade das portarias de extensão – em especial a que decorre da aplicação de cláusulas pecuniárias com efeitos retroativos contidas no IRCT estendido – com a liberdade de iniciativa económica é objeto de profundas preocupações, mesmo da parte de quem não considera a solução legal inconstitucional. Nesse sentido depõem, além da crítica doutrinária já mencionada, as referências nas sucessivas atualiza- ções do Memorando de Entendimento sobre Condicionalidades de Política Económica, em sede de “fixação de salários e competitividade”, à necessidade de ponderação autónoma das «implicações da extensão das con- venções para a posição competitiva das empresas». Com efeito, na sequência dos compromissos assumidos na quinta atualização neste domínio (cfr. ponto 4.5), foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012, publicada em 31 de outubro de 2012, que, além de definir «critérios mínimos necessários e cumulativos a observar no procedimento para a emissão de portarias de extensão», resolve no respetivo n.º 3 limitar a eficácia retroativa da extensão das cláusulas de natureza pecuniária constantes de convenção coletiva ao primeiro dia do mês da publicação da portaria de extensão no Diário da República . 8. Mas a sentença recorrida vai mais longe e, com base em ponderações similares, julga inconstitucional a eficácia retroativa consagrada no artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 213/2010, de 15 de abril, relativamente à tabela salarial e aos valores do subsídio de alimentação e do subsídio de turno – não obstante a entrada em vigor da Portaria em apreço em 20 de abril de 2010, os efeitos da extensão quanto a estas três matérias reportam-se a 1 de dezembro de 2009 (o primeiro dia do mês seguinte ao da entrada em vigor da decisão arbitral estendida). Para tanto, invoca o princípio da igualdade entre empregadores e trabalhadores, quanto à tutela dos direitos adquiridos, e a liberdade de iniciativa económica dos primeiros (cfr. os artigos 13.º e 61.º, n.º 1, da Constituição). 9. Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, o princípio da igualdade abrange fundamental- mente três dimensões ou vertentes (cfr. o Acórdão n.º 412/02): «[A] proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegiti- midade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos ( v. g. , ascendência, sexo, raça, lín- gua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades.» Ora, a extensão de um IRCT não estabelece qualquer distinção relevante entre empregadores e traba- lhadores no plano do princípio da igualdade: as soluções consagradas em cada IRCT resultam da dinâmica própria inerente ao exercício do direito de contratação coletiva assumindo ab initio a diferença entre empre- gador e trabalhador. De resto, é justamente o diferente poder negocial entre estes dois sujeitos em cada contrato individual de trabalho que justifica a negociação coletiva, enquanto modo de compensação de tal
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