TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
704 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sentido, pode ler-se no Parecer emitido pela União Geral dos Trabalhadores sobre a referida Proposta de Lei n.º 35/X (disponível em http://www.ugt.pt/parecer_31_10_2005.pdf ): «A alteração à alínea c) do n.º 1 deste artigo [ – o artigo 533.º do Código do Trabalho de 2003 – ] merece a nossa concordância ao retomar a redação da anterior legislação. Com efeito, e na medida em que se introduz a possibilidade de atribuir eficácia retroativa também às cláusulas pecuniárias dos instrumentos de natureza não negocial, obsta-se ao efeito pernicioso de beneficiar os empregadores que se colocam fora dos processos negociais, uma vez que, com a redação atual, aqueles apenas são obrigados a par- tir da data de publicação do instrumento, o que constitui uma desmotivação à negociação coletiva e cria situações de concorrência desleal face aos empregadores empenhados na contratação.» Portanto, o artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho em vigor sucedeu ao artigo 533.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho de 2003, com a redação dada pela mencionada Lei n.º 9/2006, segundo a qual os IRCT de qualquer tipo – negociais e não negociais – não podiam «conferir eficácia retroativa a qual- quer das suas cláusulas, salvo tratando-se de cláusulas de natureza pecuniária» (cfr. Luís Gonçalves da Silva in Pedro Romano Martinez (coord.), Código do Trabalho Anotado, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, notas II e V ao artigo 478.º, pp. 949-950). Que é este o alcance normativo do citado artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , não havendo espaço para uma interpretação restritiva como a preconizada na sentença recorrida, é pacífico na doutrina juslaboralista [cfr. Luís Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, cit., nota V ao artigo 478.º, p. 950, sem prejuízo de considerar a solução legal inconstitucional; Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado (…), Parte III, cit., p. 281, sem prejuízo de criticar a solução legal; e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, cit., p. 695]. A referida Lei n.º 9/2006 veio recuperar a solução anterior resultante da interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de dezembro. Com efeito, antes da vigência do Código do Trabalho de 2003, na sua redação inicial, a prática administrativa, reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, sem prejuízo das críticas de alguns, era a de admitir a possibilidade de as portarias de extensão produzirem efeitos retroativos (sobre este ponto, cfr., por todos, Luís Gonçalves da Silva, “Pressupostos, Requisitos e Eficácia da Portaria de Extensão” in Pedro Romano Martinez (coord.), Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. I, (I Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho), Almedina, Coimbra, 2001, pp. 669 e segs., p. 752 e nota 268). 7. A justificação geral e tradicional dada para excecionar as cláusulas pecuniárias de convenções coletivas do princípio geral da não retroatividade dos IRCT é o objetivo de obviar a que a demora das negociações conduza à perda de valor do salário real durante tal período [cfr. Maria Do Rosário Palma Ramalho, Tratado (…), Parte III cit., p. 280; e Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 1045]. Mas não se exclui que a retroatividade de tais cláusulas também desempenhe uma função de «tendencial recuperação do des- gaste sofrido pelos salários reais por efeito do (inelutável) não acompanhamento da subida do custo de vida pelos níveis de retribuição precedentes, quer ao longo da convenção antecessora […]. A retroatividade [pode surgir], pois, como um sucedâneo (aliás meramente aproximativo) da indexação dos salários pelo custo de vida» (assim, vide Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, cit., p. 694). Contudo, estas razões para a retroatividade das cláusulas pecuniárias de IRCT negociais não são total- mente transponíveis para os instrumentos administrativos que determinam o alargamento do seu âmbito de aplicação a sujeitos que não intervieram na negociação coletiva. E o fundamento é óbvio: diferentemente dos outorgantes da convenção coletiva objeto de extensão, os destinatários da portaria vão ser confrontados com uma redefinição de aspetos das suas relações localizados no passado sem nela terem consentido. Daí as críticas de alguma doutrina [vide, em especial, Luís Gonçalves da Silva, Pressupostos, Requisitos e Eficácia da Portaria de Extensão, cit., pp. 752 e segs.; e Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado (…), Parte III cit., pp. 280 e 281] que também ecoam no seguinte passo da sentença recorrida:
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