TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
701 acórdão n.º 294/14 de inconstitucionalidade a simétrica admissibilidade de princípio é mera condição necessária. Assim, a even- tual admissibilidade constitucional de disposições de natureza pecuniária com efeitos retroativos contidos em IRCT não negociais não dispensa uma dupla análise, primeiro no plano dos princípios – admissibilidade de efeitos retroativos in abstracto e que corresponde ao plano legal em que se situa a previsão do artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho –, e depois no plano concreto da disposição do IRCT não negocial em causa – admissibilidade de efeitos retroativos in concreto . Uma segunda observação releva do IRCT cujo âmbito de aplicação pessoal é alargado pela Portaria n.º 213/2010: uma decisão arbitral proferida em processo de arbitragem obrigatória (cfr. o artigo 1.º, n.º 1, da citada Portaria). Ou seja, in casu deparamos com um IRCT não negocial – uma portaria de extensão – que se reporta, alargando o respetivo âmbito de aplicação pessoal, a outro IRCT não negocial – uma decisão arbitral proferida em processo de arbitragem obrigatória (cfr. o artigo 2.º, n.º 4, do Código do Trabalho). No entanto, tendo em conta, por um lado, que a decisão arbitral produz os efeitos de uma convenção coletiva e que, tal como esta, também pode ser aplicada por portaria de extensão a empregadores e trabalhadores integrados no âmbito do setor de atividade e profissional definido em qualquer um daqueles instrumentos (assim, vide os artigo 505.º, n.º 3, 514.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho); e, por outro lado, que o objeto do recurso se circunscreve à norma da portaria de extensão desaplicada, não abrangendo as determi- nações do Código do Trabalho referentes às portarias de extensão em geral, não há que ponderar na análise do presente recurso as eventuais especificidades associadas à extensão por via administrativa de IRCT não negociais. Finalmente, o IRCT objeto da portaria de extensão em análise não confere eficácia retroativa a qualquer uma das suas cláusulas. Deste modo, o alcance da norma desaplicada pela decisão recorrida é apenas o de aproximar, o mais possível, a situação dos destinatários da Portaria n.º 213/2010 à situação dos destinatários da decisão arbitral objeto de extensão. É o que resulta inequivocamente do seguinte excerto do preâmbulo daquele normativo: «Não conferindo a decisão arbitral qualquer retroatividade, a extensão, com vista a aproximar os estatutos labo- rais dos trabalhadores e as condições de concorrência entre as empresas do sector de atividade abrangido, determina a produção de efeitos da tabela salarial, do subsídio de alimentação e do subsídio de turno a partir do dia 1 do mês seguinte ao da entrada em vigor daquela. A extensão da decisão arbitral tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.» 5. A originalidade e função das portarias de extensão enquanto fontes normativas superadoras do princí- pio da filiação – hoje consagrado no artigo 496.º do Código do Trabalho – são comummente reconhecidas: «As CCT’s [ – convenções coletivas (de trabalho) – ] aplicam-se formalmente apenas – por um lado – aos trabalhadores filiados nos sindicatos subscritores e – por outro lado – (a menos que intervenham diretamente) aos empregadores inscritos nas associações patronais outorgantes. Em face das nossas baixas taxas de sindicalização e associação, este princípio de dupla filiação envolveria uma baixíssima taxa de cobertura dos trabalhadores por convenções coletivas (talvez 20%). Ora, torna-se conveniente que as condições de trabalho contidas nas CCT’s tenham aplicação geral dentro da mesma empresa e dos mesmos setores económico-profissionais e sirvam como padrão, proporcionando igualdade de estatutos laborais e também à partida os mesmos custos de concorrência no plano da mão-de-obra. Tal é conseguido, entre nós e em muitos países, por atos governamentais de extensão das condições prescritas nas CCT’s que possam abranger também os não filiados e assim assumir uma eficácia geral. Assim, a PE (ou RE) estende o âmbito pessoal ou geográfico das convenções coletivas, que nessa medida ganham uma eficácia mais ampla e se tornam geralmente vinculativas, para além dos filiados nas associações outor- gantes. Nos casos mais vulgares dos regulamentos de extensão [ditos internos (– segundo o artigo 575.º, n.º 1,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=