TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
699 acórdão n.º 294/14 É que se se deve procurar respeitar, quanto aos trabalhadores o princípio do tratamento mais favorável (na globalidade) procurando-se evitar uma afetação de direitos adquiridos, a justeza no tratamento das partes imposta pelo princípio da igualdade (que não proíbe em absoluto toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as distinções materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional), não permite descurar o interesse organizatório das entidades patronais tendo em vista a efetiva concre- tização da iniciativa económica privada e, a final, o próprio direito ao trabalho. Ora, é sabido, que as empresas são entidades organizadas que dependem de uma gestão económico-financeira criteriosa e ponderada e, no âmbito desta, a previsibilidade dos custos assume papel decisivo. Por tal facto, a impo- sição de compromissos salariais, fazendo-os retroagir meses (no caso vertente mais de cinco meses) põe em causa a dita organização e, consequentemente, a iniciativa económica tomando as empresas menos competitivas (nalguns casos pondo em causa a própria sobrevivência) além de reduzir as possibilidades de aumento da empregabilidade. Temos, pois, para nós que a interpretação do disposto no artigo 478.º alínea c) do CPT no sentido de que aí se incluem os instrumentos de regulamentação coletiva não negociados não é permitida pelo espírito legislativo que lhe presidiu, constituindo violação dos princípios constitucionais da iniciativa privada e igualdade previstos nos artigo 61.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, entendimento que se aplica na integra ao artigo 2.º n.º 2 da portaria 213/2010, 15/04 o que motivará a recusa da sua aplicação.» 2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade para este Tribunal ao abrigo do dis- posto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Cons- titucional (adiante referida como LTC), que foi admitido no tribunal a quo. Subidos os autos, foram as partes notificadas para alegações. 3. Apenas o recorrente alegou, tendo concluído nos seguintes termos: «(…) VII – Conclusões 51. O Ministério Público interpôs recurso facultativo, nos presentes autos, do teor da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Faro, na qual a Mm.ª Juiz a quo decidiu que: a) “recuso a aplicação do disposto no artigo 2.º n.º 2 da Portaria de Extensão n.º 213/2010 de 15/04 por violação do estatuído nos artigo 13.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa; b) absolvo a arguida da prática das contraordenações com o consequente arquivamento dos autos (…)”. 52. O recurso do Ministério Público centrou-se, assim, na apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 213/2010, de 15 de Abril. 53. Para alicerçar as discrepâncias constitucionais invocadas, a Mm.ª Juiz a quo interpretou o disposto na alínea c) , do n.º 1, do artigo 478.º do Código do Trabalho, de forma restritiva, fazendo-o, no seu entender, em confor- midade com a Constituição, e no sentido de que a norma aí contida apenas se poderia referir a instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais. 54. Este pressuposto argumentativo não possui qualquer fundamento nem, sequer, suporte literal. 55. A fim de operacionalizar o invocado princípio da igualdade, e justificar a sua violação, ficcionou, a Mm.ª Juiz a quo , uma inexistente paridade entre trabalhadores e empregadores, e daí retirou, sem esclarecer, que a igual- dade seria violada pela atribuição, por parte de uma norma jurídica, de efeitos para o passado, no âmbito de uma relação jurídica tendencialmente persistente no tempo. 56. Todavia, no caso vertente, a aplicação, ainda que retroactiva, de uma norma de instrumento de regulamen- tação coletiva de trabalho, não viola a proibição do arbítrio, não viola a proibição da discriminação, e, por fim, não só não viola a obrigação de diferenciação, como obedece à imposição de compensação das desigualdades resultantes da usual diferença de estatutos socioeconómicos entre trabalhadores e empregadores.
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