TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

697 acórdão n.º 294/14 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos de processo de contraordenação vindos do Tribunal do Trabalho de Faro, em que é recorrente o Ministério Público, foi a ora recorrida, A., S. A., absolvida da prática de contraordenação previsto e punido pelo artigo 521.º, n.º 3, do Código do Trabalho, em conjugação com a cláusula 40.ª, n. os  1 e 2, da decisão arbitral em processo de arbitragem obrigatória relativa à Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas, de Comunicação Visual e Transformadoras do Papel e ao Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 40, de 29 de outubro de 2009, objeto de extensão no território do continente pela Portaria n.º 213/2010, de 15 de abril. Para tanto, a Mma. Juíza a quo recusou aplicar o disposto no artigo 2.º, n.º 2, da citada Portaria, por considerar que a respetiva norma viola o «estatuído nos artigos 13.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa». A sentença recorrida fundamentou o juízo de inconstitucionalidade nos seguintes termos: «[Atento o disposto no artigo 2.º do Código do Trabalho, n]ão há dúvidas, […] que quer a decisão arbitral quer a Portaria de extensão aqui em causa são instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho sendo esta última não negocial. No caso vertente, considerando que a arguida não era associada de nenhuma das organizações que intervieram no processo negocial que conduziu à decisão arbitral, apenas por força da Portaria de Extensão n.º 213/2010 a mesma lhe passou a ser aplicada. Põe a arguida em causa a possibilidade da Portaria de Extensão poder ter eficácia retroativa por tal, em seu entendimento, violar a Constituição da República Portuguesa. Como é sabido no que tange à aplicação das leis no tempo vigora o princípio da não retroatividade das leis prevendo-se no artigo 12.º n.º 1 do Código Civil que “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída efi- cácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”. Não decorre de tal princípio a impossibilidade da criação de leis retroativas, presumindo-se, neste caso, que ela pretende abranger exclusivamente, além dos factos e efeitos futuros, os efeitos pendentes, não se estendendo aos factos e efeitos passados, a não ser que o legislador manifeste de forma inequívoca essa sua vontade, afastando a aludida presunção. No caso vertente o artigo 2.º n.º 2 da Portaria 213/2010, 15/04 previu a sua aplicação retroativa, no que tange à tabela salarial, valores do subsídio de alimentação e do subsídio de turno, a partir de 1 de Dezembro de 2009. Posto que o que está em causa é uma cláusula de natureza pecuniária, em princípio, parece decorrer daquela estatuição que nada impede a eficácia retroativa da mesma. Mas será mesmo assim? O artigo 6.º n.º 1 alínea f ) do DL 519-C/79, 29/12 (revogado pela Lei 99/2003, 27/08 que aprovou o Código do Trabalho), diploma que regulamentava as relações coletivas de trabalhadores que se estabelecessem entre traba- lhadores e entidades patronais através das respetivas associações ou entre associações sindicais e entidades patronais, previa que “os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podiam conferir eficácia retroativa a qualquer das suas cláusulas, salvo o disposto no artigo 13.º.” Por seu turno, o referido artigo 13.º dispunha que as convenções coletivas podiam atribuir eficácia retroativa às tabelas salariais até à data em que se tenha esgotado o prazo de resposta à proposta de negociação ou, no caso de revisão de uma convenção anterior, até ao termo do prazo de doze meses após a data da sua entrega para depósito. Permitia-se assim, à luz daquele diploma, que as partes contratantes de um instrumento de regulamentação coletiva, expressamente e após processo de negociação, decidissem conferir eficácia retroativa a cláusula de natureza pecuniária.

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