TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

696 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – No plano do princípio da igualdade, a extensão de um IRCT não estabelece qualquer distinção rele- vante entre empregadores e trabalhadores: as soluções consagradas em cada IRCT resultam da dinâ- mica própria inerente ao exercício do direito de contratação coletiva assumindo ab initio a diferença entre empregador e trabalhador, mas as soluções negociadas e contratadas no plano coletivo, em si mesmas consideradas, não podem ser consideradas discriminatórias dos trabalhadores ou dos empre- gadores, já que as mesmas radicam, em larga medida, na contraposição dos interesses de ambos; os trabalhadores e os empregadores abrangidos por um dado IRCT não são, neste sentido, iguais mas sim diferentes; e, por isso, justifica-se que as soluções do IRCT aplicáveis a cada um deles não sejam as mesmas, ou seja, as diferenças têm nesse caso um fundamento material manifesto. IV – Por outro lado, o que pode ter sentido comparar, para aferir de uma eventual violação do princípio da igualdade, é a situação dos empregadores que operem no mesmo setor de atividade económica e que não são abrangidos pelo IRCT considerado com a dos empregadores abrangidos por tal IRCT; e, bem assim, a situação do universo dos trabalhadores das profissões e categorias profissionais pre- vistas no IRCT considerado mas por ele não abrangidos com a dos trabalhadores abrangidos pelo mesmo IRCT, sendo essa, justamente, a finalidade precípua da Portaria n.º 213/2010 e da estatuição da retroatividade dos efeitos das cláusulas pecuniárias nela prevista; pelo que a estatuição de efeitos retroativos contida no artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 213/2010, de 15 de abril, não se pode consi- derar como uma medida arbitrária, não violando o princípio da igualdade. V – A possibilidade de se aprovarem portarias de extensão – as quais podem inclusivamente conferir efi- cácia retroativa a disposições de natureza pecuniária, tal como previsto no artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho interfere com os aspetos garantísticos da liberdade de iniciativa económica, nomeadamente no tocante à liberdade de gerir a empresa sem interferências externas. VI – A mutação da ordem jurídica consubstanciada numa portaria de extensão, mesmo que esta confira efi- cácia retroativa às suas disposições de natureza pecuniária, não corresponde a um facto normativo com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar; e a finalidade precípua de igualização do estatuto dos trabalhadores não abrangidos por uma convenção coletiva ou decisão arbitral com o estatuto daqueles que por elas sejam abrangidos, incluindo se for o caso a questão da atualização da sua situação salarial, constitui um interesse constitucionalmente relevante que, em última análise, radica na opção constitucional de deferir ao legislador a competência para estabelecer as regras respeitantes à eficácia das normas de convenções coletivas. VII – Relativamente à segurança jurídica, cumpre ter presente, além do circunstancialismo em que foi apro- vada a Portaria n.º 213/2010, designadamente a publicidade própria do procedimento de extensão, que tanto a previsão de um regime legal como o que consta do artigo 478.º, n.º 1, alínea c) , do Código do Trabalho, como a experiência comum em matéria de contratação coletiva afastam a imprevisibi- lidade de as portarias de extensão conterem disposições de natureza pecuniária com efeitos retroati- vos; por outro lado, a retroatividade das disposições de natureza pecuniária contidas em portarias de extensão é complementar à vocação natural deste tipo de IRCT de aproximar, na medida possível, o estatuto laboral dos trabalhadores não abrangidos pelo IRCT estendido e, bem assim, de aproximar a situação económica dos seus empregadores – interesses públicos relevantes em matéria de relações coletivas de trabalho e de disciplina da liberdade de iniciativa económica privada.

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