TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

691 acórdão n.º 254/14 A recorrente vem agora apresentar reclamação deste despacho, invocando o disposto no artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos: «1. Veio a recorrente notificada, por douto despacho ora em crise, que por extemporaneidade não foi admitido o recurso por si interposto. 2. Para tanto, vem o indeferimento fundamentado que o recurso foi interposto no terceiro dia útil e que, não tendo sido paga a multa prevista processualmente, é o recurso julgado extemporâneo. Ora salvo melhor entendimento, não pode colher tal interpretação, 3. Na verdade. o não pagamento de multa não pode ter corno consequência processual o desentranhamento processual ou sequer a sua determinação como prática extemporânea, nos moldes corno os praticados in casu , do recurso interposto. 4. Acresce que o artigo 145.º/3 do CPC, dispõe que a falta de junção de documento comprovativo do paga- mento de taxa de justiça, não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos dez dias subsequentes, sob pena, não da recusa da peça processual, mas apenas das cominações p. no artigo 570.º do CPC. 5. Mesmo raciocínio se aplica, salvo melhor de entendimento de V.ª Ex.ª à questão ora in casu , mutatis mutan- dis que são os argumentos aplicáveis. 6. Pelo que assim se verifica que a cominação aplicável in casu não se trata da declaração de extemporaneidade do ato praticado, mas ao invés, a cominação sancionatória acrescida p. nos termos do artigo 570.º do CPC. 7. Pois que reitere-se, tendo sido como efetivamente foi, oportuna e tempestivamente interposto recurso, ainda que dentro dos três dias de multa, desde já se requer a V.ª Ex.ª que seja admitida em juízo o recurso interposto. 8. Sendo transposto, como deveria ter sido V. decisão, para a conta de custas finais, a penalidade processual a aplicar. 9. Pois que qualquer outra decisão ou tão-somente manutenção do despacho que antecede pode representar uma violação do direito de contraditório e princípio de igualdade de armas, previsto processualmente e dignificado constitucionalmente, enquanto garantia das partes e corolário de confiança e segurança jurídica, cfr. artigo 12.º; 20.º; 22.º e 202.º todos CRP. Nesta senda, 10. Previu o legislador cominações penalizadoras para a omissão da parte em liquidar a penalidade processual devida pela apresentação da peça processual nos primeiros três dias em data posterior ao prazo processual, de molde a conferir uma permissão normativa apta à proteção dos direitos das partes, não os prejudicando por omissões de pagamento. 11. A determinação da prática como extemporânea da peça processual apresentada por falta de pagamento da penalidade processual, constitui outrossim, uma grave sanção, altamente lesiva dos direitos da recorrente, por lhe coartar o poder de ação e reação em processo judicial onde se discutem os seus direitos legítimos e legalmente atendíveis. 12. Ou seja, a interpretação e aplicação da norma nos termos em que vem realizada pelo douto Tribunal introduz no ordenamento jurídico uma situação de preterição dos valores materiais que subjazem à justiça, dando primazia a formalidades e requisitos meramente procedimentais. 13. Aliás, o despacho do qual ora se reclama e em crise vem, sustentado por requisitos meramente procedimen- tais, coartar o poder de ação da parte, que pela declaração de extemporaneidade da interposição de recurso, perde a possibilidade de ter voz ativa e pleitear pela sua pretensão jurídica nos autos. 14. Conforme resulta do labor jurídico, cultivado ao longo de vários séculos, a justiça deverá sempre ser nor- teada por valores materiais e concretos que a realizem e a defendam, devendo o julgador fazer a aplicação casuística do Direito tendo por fim a descoberta da verdade material, circunscrita pelo Princípio do Dispositivo, incumbindo ao julgador decidir de acordo com a primazia da materialidade subjacente.

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