TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
610 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por parte da Assembleia, de atos legislativos do Governo, que a Constituição prevê, haveria pelo menos que esperar pelo seu desfecho. Tal espera, porém, não aconteceu. O dado é suficientemente relevante para que se ponha logo em dúvida a evidência do preenchimento do “segundo teste” da proteção da confiança: o facto de a lei revogatória ter sido emitida depois de celebrado o aditamento ao contrato de concessão, que investira o particular em certa posição jurídica, não é só por si comprovativo de que o mesmo particular detinha boas e fundadas razões para esperar a continuidade do comportamento do legislador. Até porque admitir que a Administração Pública pudesse, à revelia de um processo de averiguação parlamentar, consumar, através da outorga do «Aditamento», a prática de atos dependentes da vigência do decreto-lei objeto dessa mesma apre- ciação, e, dessa forma, responsabilizar o próprio Estado, equivaleria a esvaziar de conteúdo essa competência de fiscalização da Assembleia da República estabelecida na Constituição, que mais não é do que um meca- nismo de autocontrolo do Estado. A este argumento acresce um outro, que abona no mesmo sentido. Após o desfecho do debate parlamentar iniciado com a apresentação dos requerimentos a que se refere o artigo 169.º, e antes da emissão da Lei n.º 14/2010, de 23 de julho, o Tribunal de Contas emitiu o relatório cujas conclusões se encontram transcritas no presente acórdão. Este é, portanto, um outro “tópico” a ter em conta, no espaço, ainda aberto, de valoração das razões que detinha o particular para esperar a imodificabilidade do comportamento estadual. Também no que respeita ao terceiro “teste”, relativo à realização de “planos de vida”, não pode deixar de atender-se ao conteúdo da concreta posição jurídica em que, em virtude da celebração do «aditamento» ao contrato de concessão, ficou investido o particular. Ora, de acordo com o Relatório do Tribunal de Contas referido no presente Acórdão, o contrato de concessão de serviço público seria congenitamente desequili- brado, pelo facto de o risco do negócio ser transferido em termos não-irrelevantes para o concedente público. A conclusão não pode ser irrelevante quando se considera o preenchimento (ou não preenchimento) do terceiro “teste” em sede de proteção da confiança. Sendo consideravelmente menor o risco do investimento privado – o qual, logo à partida, é contratualmente diluído pelos restantes membros da comunidade – menor terá que ser também o grau de proteção jurídico-constitucional a tal “plano de vida” reservado. Por último, também não parece que, à evidência, se deva dar como preenchido o quarto e último “teste” relativo ao princípio da proteção da confiança, segundo o qual – recorde-se –, e para que essa con- fiança mereça tutela constitucional, deve inexistir qualquer razão de interesse público que, em ponderação, justifique a prevalência desse mesmo interesse sobre as «legítimas» e «fundadas» expectativas das pessoas na continuidade do comportamento estadual. É que, tudo considerado, não pode deixar de considerar-se legítima uma afetação legislativa que destrói retroactivamente os efeitos produzidos por um contrato de concessão de serviço público, celebrado no con- texto em que foi e cujo conteúdo é aquele que é. Com efeito, não pode o particular querer fazer prevalecer-se da ordem constitucional contra um ato do legislador que venha afetar uma posição jurídica assim consti- tuída. Uma ordem constitucional de liberdade que responsabiliza as pessoas pelas decisões que tomem não as protege naquelas situações em que o risco seja inexistente ou se encontre diluído, em termos não-irrelevantes, pelos demais membros da comunidade. Porque assim é, inexiste qualquer violação do princípio da proteção da confiança. 4. Uma última nota. Não creio que tenha no caso relevância argumentativa o facto de, nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo e no Código dos Contratos Públicos, o contraente público apenas dispor do poder de resolver unilateralmente o contrato por razões de interesse público para o futuro. A afirmação segundo a qual “[…] se estava vedado à parte pública (a Administração) resolver retroac- tivamente o contrato por invocação do interesse público, «o mesmo há de entender-se quando seja o próprio legislador a visar, indireta mas intencionalmente, esse objetivo, revogando retroactivamente o diploma espe- cífico em que o contrato se fundou. Não podia fazê-lo – consoante o fez, ou intentou fazê-lo, no caso – a Assembleia da República, como tão pouco o poderia ter feito, também no caso, o Governo-legislador, através
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