TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
609 acórdão n.º 202/14 É certo que a decisão legislativa governamental, mantendo uma determinada orientação quanto à política pública portuária que se vinha já seguindo desde 1984 (altura da celebração do primeiro contrato de con- cessão entre Administração e o mesmo particular), autorizou a modificação do contrato e redefiniu as bases a que ele devia obedecer, em alteração [mas também em continuação] da política iniciada décadas antes. Contudo, é também certo que o nó górdio do problema que tem agora que resolver-se não reside tanto no facto de ter sido revogada a lei que mantinha essa política, mas muito particularmente no facto de essa revo- gação ter ocorrido depois de celebrado, entre as partes, o contrato cuja realização a lei autorizava. Fora outro o momento da revogação, por ato da Assembleia, do decreto-lei que autorizara a modificação do contrato que outros seriam também os específicos contornos do problema jurídico-constitucional que há que resolver. Dizendo de outro modo: caso o artigo 1.º da Lei n.º 14/2010 (“[é] revogado o Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de setembro”) constasse de lei anterior à data da celebração do “Aditamento” ao Contrato de Concessão, a avaliação do peso específico das expectativas da entidade privada contratante far-se-ia, naturalmente, com outros critérios. O que conta, aqui, é pois o facto de o ato revogatório ter sido emitido depois de celebrada entre a administração e o particular a modificação do contrato de concessão, justamente por ter sido o “direito” de que é titular o privado constituído por este último e não pela lei objeto da revogação. Contudo, se assim é, um ponto parece insofismável. Porque o que se pede ao Tribunal (o que se lhe pode pedir) não é a resolução da questão relativa à validade ou subsistência do contrato que investiu o pri- vado numa situação jurídica subjetiva “consolidada”, mas antes tão somente a resposta à questão de saber se é válida a lei que autorizara a modificação da condição contratual, para a resolução desta última questão o argumento da natureza e intensidade da posição jurídica subjetiva do privado não pode ser o único argu- mento a ter em conta em sede de “proteção da confiança”. Vale isto por dizer que a resposta ao segundo e ao terceiro “testes” – ser a expectativa do particular na continuidade do comportamento estadual fundada em boas e legítimas razões; ter o particular traçado planos de vida tendo em conta essas legítimas expectati- vas – não pode ser dada uma resposta afirmativa apenas porque estavam em causa, na questão que julgamos, não “simples expectativas”, mas “direitos”. O argumento pode pesar na “ponderação” do caso, quando se tiver em linha de conta o peso específico das expectativas do particular na continuidade da ordem jurídica que fundara as posições jurídico-subjetivas em que fora investido e o peso específico das razões de interesse público que motivaram a emissão da lei de 2010; mas não resolve, por si só, a questão que há que resolver. Ora, assim sendo, há ainda espaço para que se proceda à avaliação e à valoração das expectativas que, no caso, o particular detinha relativamente à continuidade da política pública que o Decreto-Lei n.º 188/2008 redefinira. E, nesse espaço de valoração que ainda permanece aberto – não obstante a lei em juízo ter sido emitida depois de celebrado o contrato de concessão que investira o privado em certas situações jurídicas «consolidadas» – não podem deixar de ser recordadas outras dimensões do comportamento estadual (outras, em relação à celebração, por parte da administração, do aditamento ao contrato de concessão), que igual- mente se verificaram durante o período que mediou entre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 188/2008 e a emissão da Lei n.º 14/2010. Referimo-nos desde logo aos requerimentos apresentados por grupos de deputados na Assembleia da República em outubro de 2008, pedindo, nos termos do artigo 169.º da CRP, a apreciação, para efeitos de cessação de vigência, do Decreto-Lei n.º 188/2008; e referimo-nos ainda ao facto de a modificação do contrato de concessão (essa mesmo que investiu o particular na posição jurídica subjetiva cuja especial soli- dez se invoca) ter sido celebrada durante a pendência do debate parlamentar iniciado pela apresentação dos referidos requerimentos. É certo que, nos termos do regime previsto perlo artigo 169.º da Constituição, o início do procedimento tendente à “apreciação parlamentar” de um decreto-lei não produz por si só qualquer efeito suspensivo da vigência do mesmo. Mas também é certo que não pode ser relegado para o domínio dos dados constitucionalmente irrelevantes o facto de o particular ter aceite celebrar a modificação do con- trato – que o investiu na posição jurídico-subjetiva cuja especial densidade e natureza agora se invoca – num momento em que ainda desconhecia se o diploma legislativo que servira de base legal para a outorga desse mesmo contrato iria perdurar na ordem jurídica. Acionado que fora o mecanismo específico de fiscalização,
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