TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

608 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estabelecidospara a tutela jurídico-constitucional da confiança, tal como elaborados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional. Foi esse, aliás, o enquadramento jurídico-constitucional de que partiu o tribunal a quo, em que, exami- nando as normas sub judicio à luz de tais testes, os deu por verificados. A primeira observação que há a fazer é a de que os “quatro testes”, cuja verificação o tribunal a quo dá por adquirida, e na qual funda o seu juízo sobre a existência de violação, in casu , da “segurança jurídica” e da “proteção da confiança”, são apenas isso e tão-somente isso – testes, ou seja, estalões genéricos, aplicáveis à complexidade e variedade das questões colocadas ao Tribunal em sede de limites constitucionais relativos à sucessão de leis no tempo, e destinados a auxiliá-lo na tarefa de determinação e interpretação dos princípios constitucionais pertinentes. Como muito bem disse a decisão recorrida – usando aliás o argumento como ponto de partida de toda a sua restante construção – o que caracteriza a função legislativa, diversamente do que sucede com a função administrativa ou a jurisdicional, é o princípio da autorrevisibilidade dos seus atos. Isso mesmo decorre da natureza da função e do fundamento constitucional último que legitima o seu exer- cício, o qual, como diz o artigo 2.º da CRP, se “baseia na soberania popular e no pluralismo de expressão e organização política democráticas”. Assim, basta que haja dúvidas quanto à evidência do preenchimento, em certo caso, de um dos quatro estalões genéricos que integram os chamados “testes” do princípio da proteção da confiança para que se não dê por autorizada a conclusão segundo a qual, nesse caso, o legislador democrá- tico estaria proibido de fazer justamente aquilo que, por decorrência de princípios carregados de intensidade valorativa, pode em geral fazer: rever os seus atos e as suas opções, perante as diferentes circunstâncias (de informação ou de sustentação maioritária) que se vão sucedendo no tempo. Ora, a verdade é que, no presente caso, a evidência do preenchimento de cada um desses estalões (ou da “verificação” dos testes) não pode deixar de suscitar dúvidas. Desde logo, quanto aos três primeiros “testes”. Entendeu, na verdade, o tribunal a quo que todos eles se encontravam verificados, ou seja, que, no caso, ocorrera: (i) um comportamento dos poderes públicos, mormente do legislador, que suscitara nos privados expectativas de continuidade; (ii) que essas expectativas eram fundadas em boas e legítimas razões e que, (iii) o privado fizera planos de vida tendo em conta as boas razões, que tinha, para esperar a continuidade do comportamento estadual. Um tal entendimento fundou-o geralmente a decisão recorrida no facto de não estar em causa sequer, na questão sob juízo, uma simples «expectativa» mas verdadeiramente um «direito», legal e contratualmente fundado e consolidado, da titularidade de certo particular. Como entendeu que o Estado – através do Governo e de organismos que integram a sua administração direta – praticara atos que haviam gerado no titular do direito uma fundada expectativa na «constituição» da situação jurídica, o que viria a dar-se com o aditamento ao contrato de concessão. Em suma: pelo menos a partir da aprovação do Decreto-Lei n.º 188/2008 existia da parte do privado uma fundada expectativa na «continuidade» da titula- ridade dos direitos em que o “aditamento ao contrato” o investira. Ao assim argumentar, note-se, a decisão recorrida não está a radicar no Decreto-Lei n.º 188/2008, em si mesmo considerado, a constituição do “direito legal e contratualmente fundado”, pois reconhece que só com o «aditamento» ao contrato de concessão, habilitado pelo decreto-lei governamental, tal direito se for- mara na esfera jurídica do particular. O que sustenta é que a «expectativa» na constituição do direito – recte , a expectativa quanto à continuidade do comportamento estadual no que se refere à política pública regulada por aquele diploma legislativo – fora dada pelo “facto” da sua emissão. E que, como em sequência do mesmo se constituíra, na esfera jurídica do particular, um direito, as «expectativas» na continuidade do comporta- mento do Estado eram por definição legítimas, tendo o particular em função disso, e por causa disso, traçado específicos “projetos” ou “planos de vida”. Deve no entanto dizer-se que, no contexto de uma argumentação assim alicerçada na intensidade e natureza da posição jurídica do particular (um direito, legal e contratualmente fundado), não pode diminuir- -se, como se de um facto menor se tratasse, a circunstância de tal direito ter emergido da modificação de um contrato, celebrado entre a administração e o particular, e não ter sido concedido diretamente pela lei.

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