TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

607 acórdão n.º 202/14 3.2. Poderia argumentar-se que, no caso, o Aditamento ao contrato de concessão teria investido o par- ticular numa posição jurídica com conteúdo patrimonial à qual seria conferida a tutela constitucional pró- pria dos direitos, liberdades e garantias, por se incluir tal posição jurídica no âmbito de proteção da norma constante do artigo 62.º, n.º 1, da CRP. Se assim fosse – e se se concluísse em seguida que a Lei n.º 14/2010 tinha vindo efetivamente a restringir a posição jusfundamental do privado – não haveria dúvidas de que a restrição, ao pretender produzir efeitos retroativos, infringiria o disposto no n.º 3 do artigo 18.º da CRP. Aliás, se tal ocorresse, a inconstituciona- lidade da medida não derivaria apenas da eficácia retroativa que o legislador lhe pretendesse atribuir, mas ainda do facto de, tratando-se aqui (como o diz a decisão recorrida) de uma “lei administrativa”, estar do seu conteúdo ausente a “generalidade” e a “abstração” que devem caracterizar, ainda nos termos do n.º 3 do artigo 18.º da CRP, as restrições impostas por lei a este tipo de direitos. A verdade é, porém, que semelhante conclusão se apresenta inalcançável, desde logo por se não poder dar por verificada a premissa maior em que assenta: a de que a posição jurídica do privado, por se incluir ainda no âmbito de proteção da norma constante do n.º 1 do artigo 62.º da CRP, goza da especial tutela constitucional que é conferida aos direitos, liberdades e garantias. É certo que o Tribunal tem dito, em jurisprudência constante, que a garantia constitucional da pro- priedade, ao ser um pressuposto ineliminável da autonomia das pessoas, não só detém na sua estrutura complexa uma certa dimensão de direito, liberdade e garantia, como se reporta a um conceito que é mais amplo do que o conceito civilístico de proprietas rerum. Como se disse, entre muitos outros, nos Acórdãos n. os 491/02, 273/04 e 620/04, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt : o direito de propriedade a que se refere o artigo 62.º da Constituição não abrange apenas a proprietas rerum , os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de «propriedade». Significa isto que, devendo incluir-se no âmbito de proteção da norma contida no n.º 1 do artigo 62.º da CRP situações patrimoniais outras que não apenas as respeitantes à propriedade das coisas e aos direitos reais menores, alguma tutela constitucional merecerão outros direitos, como aqueles que emergem de contratos. Simplesmente, e quando se trata de conferir a essa tutela o alcance devido, tem sido também clara a jurisprudência do Tribunal. O conteúdo concreto que, em certo momento histórico, adquirem estes direitos (sejam eles de que natu- reza forem), é um conteúdo conformado pela lei ordinária e não pela Constituição. É ao legislador ordinário, e não à lei fundamental, que cabe determinar como se constituem, como se modificam e como se extinguem estas posições jurídico-subjetivas; qual a sua estrutura, qual o seu conteúdo e limites. A conformação destes direitos pela lei ordinária deve ser feita nos termos da Constituição (artigo 62.º, n.º 1, in fine ), o que implica para o legislador não apenas o cumprimento de princípios constitucionais materiais que sejam aplicáveis como o cumprimento suficiente de princípios constitucionais formais ou adjetivos, como sejam os relativos ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (ver, por exemplo, os Acórdãos n. os 340/91, 494/94, 516/94, para além dos já citados Acórdãos n. os 273/04 e 620/04). Cumpridos que sejam estes limites, cabe porém à lei, e não à Constituição, a definição do conteúdo desses direitos. Dificilmente por isso se poderá qualificar a Lei n.º 14/2010 – regressando ao caso dos autos – como uma lei restritiva de um direito, liberdade e garantia, de forma a que se lhe apliquem as proibições constantes do n.º 3 do artigo 18.º da CRP. Ao serem fundamentais, os direitos, liberdades e garantias são posições jurídicas com conteúdo definido a nível constitucional, e não legal. Não é, no caso dos autos, o que ocorre com as posições jurídicas concretamente afetadas pelo legislador de 2010, que agiu portanto fora do domínio apli- cativo da proibição expressa de retroatividade, fixada no referido n.º 3 do artigo 18.º 3.3. O princípio da proteção da confiança não deixa de valer enquanto limite à atuação estadual mesmo fora das situações de afetação de posições jurídicas subjetivas que se insiram no domínio protegido de um direito fundamental. A afetação legislativa de posições jurídicas subjetivas convoca sempre os testes

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