TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL seus interesses, designadamente em razão dessa mesma prevalência (em regra, associada à garantia da esta- bilidade e do equilíbrio das prestações contratuais)» [José Carlos Vieira de Andrade, Lições de Direito Admi- nistrativo, 3.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, p. 250]. O contraente público dispõe, entre outros, do poder de resolver unilateralmente o contrato por razões de interesse público (artigo 180.º do Código do Procedimento Administrativo; hoje, artigos 302.º e 334.º do Código dos Contratos Públicos). Mas sendo esta a causa da resolução e sendo esta unilateral apenas o poderá fazer para o futuro. Por outro lado, não dispõe a parte pública de poderes de autoridade em matéria de inva- lidade do contrato, sendo matéria da competência exclusiva dos tribunais quer a anulação quer a declaração de nulidade do contrato. Resulta, porém, dos trabalhos parlamentares e da Exposição de Motivos do Projeto de lei n.º 63/XI que muito do que foi invocado para revogar o Decreto-Lei n.º 188/2008, com eficácia retroativa, releva de causas de invalidade do contrato (por exemplo, o que se refere ao concurso público e ao prazo de prorrogação da concessão, aspetos que, entre outros, deram causa à ação administrativa interposta no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ainda pendente). Em suma, se estava vedado à parte pública (à Administração) resolver retroativamente o contrato por invocação do interesse público, «o mesmo há de entender-se quando seja o próprio legislador a visar, indireta mas intencionalmente, esse objetivo, revogando retroativamente o diploma legal específico em que o con- trato se fundou. Não podia fazê-lo – consoante o fez, ou intentou fazê-lo, no caso – a Assembleia da Repú- blica, como tão-pouco o poderia ter feito, também no caso, o Governo-legislador, através de um decreto-lei» (cfr. ponto 38. do acórdão arbitral, supra ponto 2. do Relatório). Impõe-se, pois, concluir pela inconstitucionalidade das normas constantes da Lei n.º 14/2010, de 23 de julho, por violação do princípio da proteção da confiança legítima. 5. A circunstância de as normas da Lei n.º 14/2010 contrariarem princípios jurídicos que regem os contratos administrativos não pode deixar de relevar também do ponto de vista do princípio da segurança jurídica, na sua vertente objetiva. Pese embora a revisibilidade da lei, a crédito do legislador, não é cons- titucionalmente tolerável que este a reveja pontualmente com efeitos que se esgotam num caso concreto (alterando o regime da resolução unilateral do contrato administrativo por razões de interesse público), com quebra da unidade e da identidade da ordem jurídica. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Julgar improcedente a impugnação deduzida ao abrigo do artigo 76.º, n.º 3, da Lei da Organiza- ção, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional; b) Julgar inconstitucionais as normas constantes da Lei n.º 14/2010, de 23 de julho, por violação do princípio da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança legítima, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, a que se refere o artigo 2.º da Constituição da Repú- blica Portuguesa; e, em consequência, c) Negar provimento ao recurso interposto. Sem custas. Lisboa, 3 de março de 2014. – Maria João Antunes – José da Cunha Barbosa – Maria de Fátima Mata- -Mouros (vencida nos termos da declaração de voto da Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral) – Maria Lúcia Amaral (vencida, conforme declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro.

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