TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

601 acórdão n.º 202/14 do «Aditamento» e, assim, também na continuidade deste – e do direito, e correlativas obrigações, que do mesmo lhe advinham». Não basta, porém, concluir que estamos perante uma mutação da ordem jurídica com que, razoavel- mente, a B. não podia contar: uma revogação retroativa do diploma legislativo governamental que suporta o «Aditamento ao Contrato», quase dois anos depois de ter sido celebrado e já em execução, após um significa- tivo envolvimento desta parte contratual no período que antecedeu a emissão do Decreto-Lei n.º 188/2010 e ao arrepio dos princípios jurídicos que regem os contratos administrativos, já que se trata de revogação com repercussão direta e imediata no contrato celebrado (cfr. infra , ponto 4.4.). 4.4. É ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa, o que implica a indagação das razões que terão motivado a Lei n.º 14/2010. Indagando-as, é de concluir, por referência aos trabalhos parlamentares e à Exposição de Motivos do Projeto que lhe deu origem (Projeto de lei n.º 63/XI), que a Lei que revoga, com efeitos retroativos, o decreto-lei não se alicerça em razões de interesse público identificáveis já depois da celebração do «Adita- mento ao Contrato» (cfr. Diário da Assembleia da República , I Série, N.º 37/XI, de 26 de março de 2010). Apesar de referências pontuais às “estatísticas oficiais de movimento de contentores” e à crise económica, é de concluir antes por uma reavaliação do interesse público reportada ao tempo da emissão do diploma governamental de 2008. Como se diz na decisão recorrida «o que emerge (…) é, fora de dúvida, uma discor- dância quanto à escolha e à decisão iniciais ou originárias do Governo, que estiveram na base do Decreto-Lei n.º 188/2008: seja uma discordância quanto ao alargamento e prolongamento do TCA, à sua necessidade e aos seus impactos, seja uma discordância quanto ao caminho adotado para o efeito, de alteração e prorro- gação, e por um prazo assaz longo, do Contrato de Concessão em vigor». E abonam neste mesmo sentido as iniciativas parlamentares que então se lhe seguiram, “renovadas” em 2010, com êxito, mercê da alteração da maioria parlamentar que apoiava o Governo em 2008. Além de que a Lei de 2010 se limitou a revogar, com eficácia retroativa, um diploma que visou introduzir nas bases do contrato de concessão do direito de exploração, em regime de serviço público, do terminal portuário de Alcântara as alterações necessárias à implementação de soluções destinadas ao desenvolvimento e renovação desse terminal, sem qualquer outra normação que substituísse a anterior. Procedendo a uma ponderação segundo o princípio da proporcionalidade, é de concluir que esta reava- liação do interesse público, com um menor peso valorativo se comparada com uma ponderação do interesse público motivada por razões supervenientes, não justifica, todavia, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expetativa da B.. A Lei n.º 14/2010 saldou-se numa afetação demasiado onerosa e arbitrária das expetativas criadas pelo comportamento estadual.  A afetação é demasiado onerosa face ao alcance retroativo da normação, por via da sua repercussão sobre o «Aditamento ao Contrato», celebrado quase dois anos antes. Foi precisamente por considerar que se manti- nham atuais todos os fundamentos de crítica anteriormente invocados e que, em síntese, o referido contrato não servia o interesse público que o legislador parlamentar procedeu à revogação, com eficácia retroativa do Decreto-Lei n.º 188/2010 (cfr. Exposição de Motivos do Projeto de lei n.º 63/IX). Ponderando o interesse público, reportado ao tempo da emissão do Decreto-Lei n.º 188/2008, o legislador eliminou, para o passado, direitos que o particular havia adquirido contratualmente. Por outro lado, a afetação das expetativas é arbitrária, na medida em que a revogação daquele Decreto- -Lei, com produção de efeitos à data da sua entrada em vigor, se traduziu na resolução retroativa de um contrato, por iniciativa da “parte pública”. O que é contrário aos princípios jurídicos que regem os contratos administrativos; contrário a «um paradigma estruturado em torno de uma ideia axial: o equilíbrio ponderado entre, de um lado, o princípio da prossecução do interesse público, que justifica os preceitos determinantes da prevalência do contraente público (em regra associada à mutabilidade e adaptação do conteúdo contra- tual), e, do outro lado, a garantia dos interesses do co-contratante, para proteção da confiança e defesa dos

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=