TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
598 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para o acórdão arbitral afigurou-se de primeira evidência que a Lei n.º 14/2010 claudicava face aos três primeiros testes, concluindo que não pode “subsistir nenhuma dúvida, de que a revogação, e a revogação retroativa, do Decreto-Lei n.º 188/2008, passados quase dois anos de vigência do «Aditamento» ao Contrato de Concessão, a que deu lugar, representou para a Demandada – para voltar a dizer agora com o acima citado Acórdão n.º 287/90 – uma frustração inesperada e «extraordinariamente onerosa», não apenas de uma sua «expetativa» inteiramente legítima, mas de um seu «direito» consolidado”. Procedendo depois à apreciação do quarto teste, averiguando se no caso ocorria alguma razão de inte- resse público, suficientemente séria e ponderosa (isto é, não arbitrária) para dever prevalecer sobre a con- fiança do particular e justificar a emissão da Lei n.º 14/2010, o acórdão recorrido conclui que a revogação do Decreto-Lei n.º 188/2008 ficou a dever-se essencialmente a uma divergência «política» (ou político- -partidária) relativamente à opção do Governo que se traduziu e concretizou na sua emissão, ou seja, uma discordância quanto à escolha e à decisão iniciais ou originárias do Governo, que estiveram na base do Decreto-Lei n.º 188/2008. Afastando que a revogação retroativa do Decreto-Lei n.º 188/2008, operada pela Lei n.º 14/2010, tenha como fundamento a emergência de uma qualquer razão «excecional», ou «específica» ou tão-só «nova» de interesse público, antes tendo sido unicamente fundada num novo juízo sobre o inte- resse público, reportado à data e às circunstâncias do diploma revogado, o tribunal a quo conclui que, numa «ponderação» segundo «o princípio da proporcionalidade», tal alteração pretérita do juízo sobre o interesse público não pode justificar a Lei n.º 14/2010, estando-se aqui perante uma normação arbitrária. Estando a «arbitrariedade» justamente no alcance retroativo dessa mesma normação. Ainda de acordo com o acórdão arbitral, uma outra consideração revela a «desproporção» ou o «excesso» e, logo, a «arbitrariedade» da solução legislativa: é ela a relativa aos princípios jurídicos que regem os contra- tos administrativos, segundos os quais está garantido, em geral, à parte pública a faculdade de promover a sua modificação e o direito de promover a sua revogação ou resolução, mas apenas para o futuro. O mesmo devendo valer para o legislador quando seja ele próprio a visar indireta mas intencionalmente a revogação retroativa do diploma legal específico em que se fundou o contrato. Daqui decorrendo que as normas da Lei n.º 14/2010 violam de modo inaceitável, não só o princípio da proteção da confiança legítima dos desti- natários da ordem jurídica, mas inclusivamente, na sua vertente objetiva, o princípio da segurança jurídica, enquanto um dos essentialia da ideia ou conceção do Estado de direito. 4. Como já foi referido, para aferir da tutela jurídico-constitucional da «confiança», o tribunal arbitral aplicou os quatro requisitos ou “testes” identificados no Acórdão n.º 128/09 (disponível em www.tribunal- constitucional.pt ), onde se lê o seguinte: «No Acórdão n.º 287/90, de 30 de outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospetiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroatividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroatividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consa- grado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade,
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