TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
59 acórdão n.º 55/14 Sempre se dirá, porém, que, da aplicação das alterações introduzidas pelas normas em apreciação, não resulta qualquer acréscimo da remuneração auferida no ano anterior, como já foi explicitado. Relativamente ao princípio do Estado unitário, acentua-se que da configuração concreta desse princí- pio, na Constituição Portuguesa, resulta, como corolário, a autonomia orçamental das Regiões Autónomas. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, os “orçamentos próprios, aprovados pelas Assembleias Legislativas Regionais (…) apenas se relacionam com o Orçamento do Estado na medida em que este fixa o montante de transferências para cada região e também os limites de endividamento regional” (J. Miranda e R. Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 330). Ora, as normas, cuja fiscalização é suscitada, não só não concorrem para o montante das transferências do Orçamento do Estado para a Região, como não alteram o limite fixado para o endividamento regional, não colidindo com o cumprimento dos objetivos macroeconómicos do país, em que a Região Autónoma dos Açores igualmente tem estado empenhada. Não existe violação de nenhuma norma da Constituição referente à reserva de competência dos órgãos de soberania. Na verdade, por um lado, do texto da Lei Fundamental apenas resulta uma reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República no que concerne às “bases do regime e âmbito da função pública” [artigo 165.º, n.º 1, alínea t) ], matéria na qual não se enquadra o regime da remuneração complementar regional. Por outro lado, ainda que se admita uma interpretação favorável à existência de “limites implícitos à competência legislativa regional”, como alegado no pedido, verifica-se que o interesse nacional de contenção e equilíbrio das contas públicas é respeitado pelo Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2014. Deste modo, conclui-se que as normas, colocadas em crise, não acarretam qualquer violação do princí- pio da unidade do Estado. No que concerne ao “interesse nacional”, subjacente ao Acórdão n.º 613/11, igualmente não se verifica qualquer desrespeito, por força das normas em análise, uma vez que tal interesse nacional deverá entender-se reportado à prossecução do equilíbrio das contas públicas – objetivo em que o Orçamento da Região Autó- noma dos Açores para 2014 participa – e não ao corte das remunerações. Mais se salienta que, de acordo com o ordenamento constitucional vigente, a competência legislativa das Regiões Autónomas encontra-se condicionada à verificação, cumulativa, de três requisitos: o âmbito regional da legislação; a enunciação das matérias plasmadas nos Estatutos político-administrativos; e o cum- primento do princípio da reserva de competência dos órgãos de soberania. Ora, o regime da remuneração complementar regional corresponde a matéria expressamente incluída na competência legislativa regional, nos termos da alínea f ) do artigo 67.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores; tem âmbito regional e não viola nenhuma das normas que definem a reserva de competência dos órgãos de soberania, porquanto não se encontra nas mesmas prevista. Não procede, pelo exposto, a interpretação constitucional defendida no pedido, que extravasa o corpo da Lei Fundamental, no que concerne quer à reserva soberana da Assembleia da República, quer na tentativa de limitar, sem fundamentação, as competências e atribuições que estão plasmadas, neste âmbito, no Esta- tuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Salienta-se, a este propósito, que, no elenco dos direitos da Região, consagrados no artigo 7.º do Estatuto Político-Administrativo, é expressamente reconhecido, na alínea b) do n.º 1, o “direito à justa compensação e à discriminação positiva com vista à atenuação dos custos da insularidade e do caráter ultraperiférico da Região”. Quanto ao princípio da solidariedade, nomeadamente ao seu corolário plasmado no n.º 7 do artigo 8.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas – que vincula as Regiões Autónomas à prossecução dos objetivos orçamentais definidos no quadro da Lei de Enquadramento Orçamental – igualmente não é o mesmo afe- tado pelas normas em apreciação. Aliás, conforme resulta de tudo quanto foi exposto, os residentes nos Açores farão, neste ano de 2014, um esforço maior do que aquele que será realizado pelos demais cidadãos nacionais, em virtude do já referido agravamento fiscal resultante da alteração à Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
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