TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
589 acórdão n.º 202/14 interpostos obrigatoriamente pelo Ministério Público de decisões, em matérias constitucionais, proferidas por tribunais arbitrais – de modo totalmente alheio à natureza e razão de ser deste tipo de recursos, tal como eles são, desde logo, prefigurados pela Constituição. Como atrás se disse, o Ministério Público exerce aqui uma função, de interesse público na defesa da legalidade, que a própria CRP lhe atribui. Dúvidas que surjam quanto ao modo de tramitação dos processos em que se manifeste o exercício desta função devem ser resolvidas tendo em conta a natureza funcional da posição processual do recorrente, que não corresponde à posição processual típica da “parte” no processo comum. 2.2. Do mesmo modo, ou de acordo com o mesmo método interpretativo, se há de resolver a questão de saber a partir de que momento é que se deve começar a contar o prazo de interposição do recurso, que o n.º 1 do artigo 75.º da LTC fixa em 10 dias. 2.2.1. A impugnante entende que, no caso, o prazo de dez dias se conta a partir do momento em que foi recebida pelos serviços de secretaria do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a comunicação que o tribunal arbitral fizera ao Ministério Público “atento o disposto no n.º 3 do artigo 280.º da Constituição da República” (em 25 de outubro de 2011), desconsiderando o facto de a mesma comunicação só ter dado entrada nos serviços do Ministério Público daquele tribunal quase um mês mais tarde (em 23 de novembro). A recorrida sustenta a aplicação ao caso das regras gerais de citação (artigo 233.º e seguintes do Código de Processo Civil), de onde decorre que a notificação do acórdão recorrido se considera feita no dia em que o notificando, por recurso a um seu auxiliar – que não carece de ser um auxiliar específico ou exclusivo dos seus serviços – que assina o correspondente aviso de receção (artigos 236.º e 238.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Acrescenta ainda que, se assim não for, se incumprirão exigências mínimas de segurança jurídica: a qualquer momento as partes num processo jurisdicional poderão ser surpreendidas com a interposição de um recurso do Ministério Público, não tendo a hipótese de controlar a data em que o mesmo foi notificado da decisão de que recorre e, assim, a data em que essa decisão terá transitado em julgado. Toda esta argumentação não tem presente que a resolução das incertezas quanto ao modo de tramitação dos recursos interpostos obrigatoriamente pelo Ministério Público de decisões arbitrais que recusem a apli- cação de uma norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade, não pode fazer tábua rasa das razões pelas quais a Constituição consagrou o recurso obrigatório. Aliás, foi justamente tendo em conta essas razões que o tribunal recorrido mandou “notificar” as partes e “comunicar” a decisão ao Ministério Público “atento o disposto no n.º 3 do artigo 280.º da Constituição da República”. Nem de outro modo poderia ser. E a verdade é que o ato de comunicar só se encontra perfeito quando a mensagem, emitida pela fonte emissora, é recebida pelo destinatário recetor. É certo que a lei não diz como é se “comunicam” ao Ministério Público – que, pela natureza das coisas, não tem representação junto dos tribunais arbitrais – as decisões que esses tribunais tomem e das quais, por imposição constitucional, o mesmo Ministério Público deva recorrer. E é também certo que a questão a resolver é também a de saber como é que se “notifica” o Ministério Público da decisão arbitral. Mas isto é uma coisa; outra, completamente diferente, é o defender-se que, em nome da segurança jurídica das partes, a “notificação” de que aqui se trata não pode ser outra que não aquela que os artigos 236.º e 238.º do Código de Processo Civil regulam. Uma tal interpretação levaria ao seguinte resultado: o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional começaria a correr mesmo antes de o Ministério Público ter tido efetivo conhecimento da existência de uma decisão arbitral que recusou a aplicação de uma norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade. Nada mais contrário às razões pelas quais a Constituição confe- riu, no n.º 3 do artigo 280.º, a função de recurso ao Ministério Público. Há por isso que concluir que, em uma interpretação do sistema legal que tenha em linha de conta a natureza e objeto deste tipo de recursos, o dies a quo, a partir do qual se deve começar a contar o prazo fixado no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, é, no caso presente, aquele em que, de acordo com os autos, a decisão de recusa de aplicação da norma por parte
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