TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

586 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No entanto, como reforço dos argumentos ali explanados, e face ao que, sobre essa questão, a recorrida B. invocou nas suas contra-alegações, importa explicitar melhor as razões pelas quais entendemos dever ser mantido o despacho que admitiu o presente recurso de constitucionalidade. 2.º – Desde logo, a singularidade do caso, pois, que se tenha conhecimento, é a primeira vez que um Tribunal Arbitral recusa a aplicação de uma norma, com fundamento em inconstitucionalidade. Assim, as especificidades dos problemas que se levantam em redor dos tribunais arbitrais, designadamente, no que ao caso agora releva, quanto ao modus faciendi da apresentação do recurso de decisões arbitrais, onde a doutrina se divide quanto ao tribunal onde deve ser apresentado o requerimento de interposição de recurso (no tribunal arbitral ou no tribunal de recurso), não foram, ainda, tratadas na jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente nos casos de recurso obrigatório para o Ministério Público, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 3.º – Acresce que, ao Ministério Público, órgão do poder judicial que, aliás, não se encontra, sequer, represen- tado nos tribunais arbitrais, a Constituição atribui a obrigatoriedade de recorrer para o Tribunal Constitucional das decisões dos restantes tribunais que recusem a aplicação de normas, com fundamento na sua inconstituciona- lidade (art.º 280.º, n.º 3 da CRP). 4.º – Mas, quando exerce esse poder – dever de interpor recurso por recusa de aplicação de norma com fun- damento em inconstitucionalidade, o Ministério Público, não é parte processual, atuando em defesa da legalidade e da salvaguarda de princípios objetivos da ordem jurídica-constitucional (e não em defesa de interesses subjetivos dos intervenientes da lide). Por isso, ao Ministério Público é dada a conhecer a decisão que recusou a aplicação da norma, para que dela possa recorrer. Mas não são, naturalmente, pelas razões apontadas, aplicáveis ao caso, como pretende a recorrida B., as regras gerais da citação estabelecidas no Código de Processo Civil. 5.º – Não vem, por outro lado, demonstrado nos autos que o representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) tenha tido conhecimento do conteúdo da comuni- cação enviada pelo Tribunal Arbitral, antes de 23 de novembro de 2011, data do carimbo de entrada do expediente nos serviços do Ministério Público junto daquele Tribunal. E, o facto de, segundo o aviso de receção, o expediente ter entrado nesse mesmo Tribunal a 25 de outubro de 2011, não cria nenhuma presunção legal de que essa comunicação tenha sido levada ao conhecimento do represen- tante do Ministério Público junto do TAC de Lisboa, antes da referida data (2011.11.23). 6.º – É, assim, tempestivo, o recurso interposto, no prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 75.º da LTC, pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, relevando para o efeito a data em que o mesmo deu entrada neste Tribunal (2011.11.29). 7.º – Com efeito, atenta a singularidade do caso, a divergência doutrinal quanto ao modus faciendi da apre- sentação dos recursos das decisões arbitrais e a inexistência de jurisprudência anterior sobre a matéria, a opção por apresentar tal requerimento ao Tribunal de recurso tem a virtualidade de confrontar, logo de início, o órgão juris- dicional competente para apreciar a constitucionalidade normativa em causa, com essa questão formal. Até porque, em última instância, caberia sempre ao Tribunal Constitucional decidir sobre essa mesma questão formal, relativa à tramitação do recurso de constitucionalidade. 8.º – Não se trata, pois, de desconhecimento, mas de incerteza da lei; nem de tirar, ou não, proveitos com o desconhecimento da lei (como alega a B.), uma vez que a intervenção do Ministério Público, no caso de recurso obrigatório, como vimos já, não defende interesses subjetivos dos intervenientes na lide, antes defende o interesse público na reintegração do ordenamento jurídico. O que se afigura, pois, essencial para a defesa e prossecução desse interesse público, é salvaguardar a intervenção do órgão especificamente criado para assegurar a garantia da Constituição, ou seja, o Tribunal Constitucional, devendo, nessa medida, o regime processual ser adaptado e interpretado de modo a não coartar essa intervenção.

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