TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

585 acórdão n.º 202/14 20. Acontece que a Lei n.º 14/2010 é totalmente omissa no que diz respeito ao interesse público que a moti- vou, não avançando um único fundamento para a respetiva aprovação e/ou normas aí contidas. 21. Mesmo que fosse admissível atentar nos documentos e acontecimentos tendentes à aprovação da Lei n.º 14/ 2010 (como sejam, o correspondente projeto de lei e os factos ocorridos no âmbito da respetiva discussão parlamentar), sempre se diria que não se descortina nas razões daí extraídas uma justificação séria e ponderosa para um sacrifício tão radical e drástico quanto aquele que viria a ser introduzido por aquela lei. 22. E ainda que se considerasse que a motivação aparentemente subjacente à Lei n.º 14/2010 é passível de pre- valecer sobre os direitos da B. – o que se admite sem conceder, por mera cautela de patrocínio –, o respetivo sacrifí- cio, nos termos em que viria a ser ditado por aquela lei, sempre haveria de considerar-se vedado pela Constituição. 23. Neste sentido, importa recordar que o juízo de ponderação de valores deve tomar em consideração a ver- tente de proibição do excesso do princípio da proporcionalidade, cujos limites se consideram infringidos sempre que são aprovadas leis retroativas que afetam situações já esgotadas ou estabilizadas no passado: ora, como bem refere o Tribunal arbitral, no caso em apreço «está-se perante o que se poderá qualificar como uma retroatividade (...) de grau máximo, pois que vai, ao cabo e ao resto, afetar ex tunc a validade dos atos (neste caso, um contrato) que se fundava no diploma revogado e os direitos subjetivos deles derivados. 24. A este aspeto, acresce um outro: trata-se do facto de a Lei n.º 14/2010 fugir ao quadro jurídico que regula os poderes do contraente público nos contratos administrativos, mais concretamente, o poder de resgate. 25. A propósito da (des)conformidade das normas contidas na Lei n.º 14/2010 com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, cumpre deixar uma última nota quanto à (in)transponibilidade da doutrina propugnada nos dois recentes acórdãos deste Venerando Tribunal invocados pelo Ministério Público nas suas alegações. 26. No que respeita ao Acórdão n.º 396/11, importa salientar que, na génese da Lei n.º 14/2010, não esteve um idêntico contexto de crise de financiamento do Estado português, o qual, de resto, à data da publicação dessa Lei não passava de uma hipótese. 27. Acresce que, como o Tribunal Constitucional não se cansou de afirmar, as disposições em causa no Acór- dão n.º 396/11 são medidas de caráter orçamental, que gozam, por isso, do regime (e duração) correspondente. 28. Quanto ao Acórdão n.º 12/12, são ainda mais flagrantes as diferenças apuradas: é que alteração legislativa analisada nesse acórdão “não afeta qualquer direito adquirido do recorrente, nem a expectativa juridicamente tutelada de poder progredir na carreira por mero efeito do decurso do tempo, com a inerente atualização dos montantes salariais”. 29. Por tudo quanto ora foi exposto, sufraga-se inteiramente o juízo vertido pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, no sentido de que as disposições normativas contidas na Lei n.º 14/2012, violam “de modo inaceitável, não só o princípio da proteção da confiança legítima dos destinatários da ordem jurídica, mas inclusivamente, na sua vertente objetiva, o princípio da segurança jurídica, enquanto um dos essentialia da ideia ou conceção do Estado de direito”.» Notificada para contra-alegar, a recorrida A., S. A., optou por nada dizer. 7. Tendo a recorrida B., S. A., nas suas contra-alegações, impugnado, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, a decisão de admissão do recurso de constitucionalidade, a Relatora proferiu despacho em 19 de abril de 2012, convidando o Ministério Público e a recorrida A., S. A., a, querendo, pronunciar-se sobre a questão da admissibilidade do recurso. Respondeu apenas o Ministério Público, dizendo o seguinte: «(…) 1.º – Mantemos e damos aqui como integralmente reproduzidas as considerações prévias que tecemos nas alegações de recurso, e que constituem o ponto 2 das mesmas, de fls. 1255 a 1260.

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