TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

579 acórdão n.º 202/14 ocorria no caso, suficientemente séria e ponderosa (isto é, não arbitrária) para dever prevalecer sobre a confiança da Demandada e justificar (constitucionalmente) a emissão daquele diploma. Ora, atentas a “Exposição de motivos” do Projeto de lei n.º 63/XI, do qual justamente veio a resultar a Lei n.º 14/2010, e a respetiva discussão parlamentar (em que há que descontar o estilo de retórica que muitas vezes a caracteriza), feita em conjunto com outras iniciativas legislativas sobre a mesma matéria (cfr. lugares citados supra , n.º 12), o que se pode concluir é que a revogação do Decreto-Lei n.º 188/2008 ficou a dever-se essencialmente a uma divergência “política” (ou político-partidária) relativamente à opção do Governo que se traduziu e concretizou na sua emissão. É certo que, seja naquela “Exposição”, seja naquela discussão, não deixam de se encontrar referências a factos ou circunstâncias que se poderão dizer “supervenientes” (como a de uma evolução menor do que a prevista, que se terá verificado na movimenta- ção de cargas contentorizadas e na diminuição de capacidade portuária disponível); mas, na verdade, não são essas referências e factos que avultam. O que emerge – nesse ponto e nesses termos, pois, havendo de concordar-se com o que a Demandada alega e foi referido a outro propósito [ supra , n.º 35, a) e, depois, g) ] quanto ao que foi o fundamento da lei em apreço – é, fora de dúvida, uma discordância quanto à escolha e à decisão iniciais ou originárias do Governo, que estiveram na base do Decreto-Lei n.º 188/2008: seja uma discordância quanto ao alargamento e prolongamento do TCA, à sua necessidade e aos seus impactos, seja uma discordância quanto ao caminho adotado para o efeito, de alteração e prorrogação, e por um prazo assaz longo, do Contrato de Concessão em vigor (caminho seguido, como oportunamente se registou, não sem a ponderação de outas alternativas: cfr. supra , II.I., n. os 15.º e 16.º). Que é assim, de resto, só o confirma o precedente percurso do Decreto-Lei n.º 188/2008 pela Assembleia da República, ou seja, a “imediata” iniciativa de submetê-lo a apreciação parlamentar. Foi o inêxito da ten- tativa de revogação do diploma, nesse ensejo, que conduziu à iniciativa sua repetição (com a apresentação do Projeto de lei n.º 63/XI e de projetos similares ou convergentes sobre o mesmo tema), aproveitando – se agora a mudança do quadro parlamentar entretanto verificada: naturalmente que as razões subjacentes a esta nova iniciativa já haveriam de reverter às que determinaram a primeira. Não é portanto, na emergência de uma qualquer razão “excecional”, ou “específica” ou tão-só “nova” de interesse público que pode fundamentar-se e se fundamenta a Lei n.º 14/2010 – é dizer, a revogação retroativa do Decreto-Lei n.º 188/2008. Motivou-a e fundamentou-a unicamente um novo juízo sobre o interesse público, reportado à data e às circunstâncias do diploma revogado. Pois bem: numa “ponderação” segundo “o princípio da proporcionalidade” – regressando, mais uma vez, aos Acórdãos n.º 287/90 e 128/09 – poderia essa simples alteração “pretérita” (porque referida a um momento anterior) do juízo sobre o interesse público justificar uma normação tão onerosa e tão drástica e radical como a da Lei n.º 14/2010? A saber: uma normação cuja eficácia se fez intencionalmente retroagir à do início da vigência do diploma revogado, para eliminar, com ele, todos os efeitos à sua sombra produ- zidos e, muito especificamente, o “Aditamento” ao Contrato de Concessão ora em apreço e o direito ou direitos subjetivos (que não meras “expectativas”) adquiridos pela Concessionária, por força e nos termos do mesmo “Aditamento” – ou seja, eliminar este direito ou estes direitos, não só para o futuro, mas tam- bém para o passado? O Tribunal entende que não – e que, por isso, se está aqui perante uma normação que só pode qualificar como “arbitrária”. E a “arbitrariedade” está justamente (como já se deixa perceber) no alcance retroativo dessa mesma normação – o qual foi manifestamente determinante dela e, por isso, a inquina na sua totalidade – combinado com a circunstância de esse efeito retroativo se ir repercutir necessariamente (e foi isso que se pretendeu) sobre um acordo já celebrado, e, desse modo, não sobre meras “expectativas”, mas sobre direitos adquiridos de um particular. Sublinhe-se, portanto, que se não está, nem perante uma situação de “retroatividade autêntica” que vá afetar apenas situações jurídicas “objetivas” passadas (e a expectativa fundada de que elas produziriam, ou não, certos efeitos), nem perante uma normação meramente «retrospetiva», que só vá repercutir-se ex nunc sobre efeitos de uma situação jurídica já constituída: está-se perante o que se poderá qualificar como uma

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