TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

578 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL d) A resposta afigura-se de primeira evidência quanto aos três primeiros testes – devendo logo começar por destacar-se que, no caso, não está em causa, sequer, uma simples “expectativa”, mas verdadeiramente um direito, um direito legal e contratualmente fundado, e consolidado, da Demandada. Seja como for: é indiscutível que, já não só a A., mas o Estado – através do Governo e de organismos que integram a sua administração direta – praticou atos, se não já desde a aprovação das “Orientações Estraté- gicas para o Setor Marítimo – Portuário”, em Dezembro de 2006 ( supra , II.I., n.º 10.º), pelo menos desde a aprovação do “Memorando de Entendimento”, de 28 de Abril de 2008 ( supra , II.I., n.º 17.º), que insofis- mavelmente geraram logo na Demandada uma fundada expectativa na “constituição” da situação jurídica que veio a plasmar-se no “Aditamento” ao Contrato de Concessão. E atos, depois, pelo menos a partir da aprovação do Decreto-Lei n.º 188/2008, que nela geraram uma fundada expectativa na “continuidade” dessa situação jurídica, é dizer, na “continuidade” da titularidade dos direitos em que o “Aditamento” a investiu. Em segundo lugar, é manifesto que, fundando-se na lei e havendo-se consolidado com a celebração do “Aditamento”, tal “expectativa”, sendo já a da continuidade de um direito (deve insistir-se), não podia ser mais “legítima” e “justificada”, nem encontrar fundamento em “melhores razões”. Por outro lado, é também óbvio que a mesma “expectativa” não podia ter ficado abalada pela circunstân- cia de o Decreto-Lei n.º 188/2008 haver sido submetido a apreciação parlamentar ( supra , II.I, n.º 33.º e n.º 12) – quando esse procedimento se saldou pela manutenção em vigor do diploma, sem alterações. Ao invés: este resultado só podia ter reforçado a confiança da Demandada na continuidade do seu direito, pois que reforçou a convicção da continuidade na ordem jurídica as normas em que o mesmo encontra a sua base. Face a um tal desfecho, na verdade, não era razoável que a Demandada tivesse de contar com uma futura alteração desse estado de coisas. Entretanto, e neste contexto, virá ainda a propósito referir que tal confiança também não podia considerar- -se abalada por quaisquer discordâncias que, antes ou depois dessa apreciação parlamentar, se hajam mani- festado, no plano do debate político-partidário e, mais amplamente, da opinião pública, relativamente à celebração do «Aditamento» subjudicio e à realização dos correspondentes objetivo e projeto: é claro e indiscutível que tais manifestações de discordância esgotam nesse plano o seu relevo e o seu efeito, nenhum se lhes podendo atribuir no plano jurídico (jurídico-constitucional). Em terceiro lugar, também não pode estar em causa que a Demandada haja feito “planos de vida” na perspetiva da “continuidade do comportamento estadual”, é dizer, da manutenção em vigor do Decreto- -Lei n.º 188/2008 (e, claro, do “Aditamento”): não só fez esses planos, como, mais do que isso, passou a executá-los, pois que, formalizado que foi o “Aditamento”, passou de imediato a Demandada à realização do Plano de Investimentos nele contemplado – isso, com o aval da A. e de outras entidades públicas às quais competia o licenciamento das obras envolvidas nessa realização, e sendo que essa efetivação do Plano de Investimentos atingia, à data da Contestação da presente ação, a expressão que ficou descrita no anterior Acórdão deste Tribunal, de 28 de Abril ( supra , II.I., n.º 36.º). É inquestionável, pois, que a Demandada fez, não apenas um grande, mas um total “investimento de confiança” na continuidade do diploma em que se fundara a celebração do “Aditamento” e, assim, também na continuidade deste – e do direito, e correlativas obrigações, que do mesmo lhe advinham. Não pode, por conseguinte, subsistir nenhuma dúvida, de que a revogação, e a revogação retroativa, do Decreto-Lei n.º 188/2008, passados quase dois anos de vigência do “Aditamento” ao Contrato de Con- cessão, a que deu lugar, representou para a Demandada – para voltar a dizer agora com o acima citado Acórdão n.º 287/90 – uma frustração inesperada e “extraordinariamente onerosa”, não apenas de uma sua “expectativa” inteiramente legítima, mas de um seu “direito” consolidado. e) Resta saber se, havendo a Lei n.º 14/2010 afetado, nos termos acabados de caracterizar e qualificar, e sem que ela pudesse razoavelmente contar essa alteração, não apenas uma “expectativa” justificada da Deman- dada, mas um seu “direito” legal e contratualmente fundado, e vindo ela a agir na base da manutenção e continuidade dessa situação jurídica – resta saber se, sendo assim, ainda alguma razão de interesse público

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