TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
576 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Nos autos de processo arbitral n.º 24/2010/AHC/AVS, em que é demandante A., S. A., e demandada B., S. A., foi proferido acórdão, em 14 de outubro de 2011, pelo qual se decidiu «recusar a aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, das normas da Lei n.º 14/2010, de 23 de julho, por violação do princípio da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança legítima, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, a que se refere o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa»; e, em consequência, «julgar improcedente o pedido, formulado pela Demandante, de anulação do «Aditamento» ao Contrato de Concessão do Direito de Exploração em Regime de Serviço Público do Terminal de Con- tentores de Alcântara (TCA), celebrado em 21 de outubro de 2008, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de setembro, entre a demandante A., S. A., e a demandada B., S. A., partes do mesmo Contrato». Decidiu-se, ainda, «não conhecer do pedido reconvencional da demandada, por o mesmo haver ficado pre- judicado pela improcedência do pedido inicial da demandante». A fundamentação da decisão recorrida, no que se refere à recusa de aplicação das normas da Lei n.º 14/2010, é a seguinte: «(…) 38. Resta, assim, analisar esse outro fundamento, invocado pela Demandada, da inconstitucionalidade da Lei n.º 14/2010: o de que ela viola o princípio da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança legítima, que é una específica dimensão ou um específico corolário do primeiro, ínsitos na ideia de Estado de direito. a) Alega a Demandada que a emissão da Lei n.º 14/2010 se traduziu – com a consequente violação desse princípio – na frustração ilegítima de uma sua expectativa, inteiramente fundada, na manutenção de uma determinada situação jurídica. Aduz, mais especificamente, a tal respeito, e em resumo: – que essa expec- tativa não podia deixar de haver-lhe sido criada por todo o iter que culminou na celebração do “Adita- mento” e pelas posições nele adotadas pela Concedente, pela Administração e pelo Governo; – que para ela, Demandada, se gerou, assim, uma situação de “confiança” na manutenção da situação criada, “con- fiança”, de resto, não apenas “substancial”, mas formalizada em termos contratuais; – que passou a agir em conformidade com essa fundada expectativa, havendo realizado avultados investimentos, no cumprimento das suas obrigações contratuais; – que a solidez de tal expectativa não podia ter sido abalada pela iniciativa da apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 188/2008, iniciativa, aliás, sem consequências quanto à vigência desse diploma; – que não podia prever, de modo algum, a superveniência da Lei n.º 14/2010; – e que não se mostra que a esta se encontre subjacente um interesse público relevante, suscetível de prevalecer sobre a expectativa fundada e legítima da Demandada. b) Pois bem: é ponto indiscutido e indiscutível que, entre as decorrências da ideia ou da conceção norma- tiva do Estado-de-direito, vão os princípios da segurança jurídica e da confiança – os quais se traduzem (para usar uma, de entre as múltiplas formulações doutrinais que encontram), desde logo, “na fiabilidade (credibilidade), calculabilidade (previsibilidade) e cognoscibilidade” do direito, mas, depois, também na exigência de “previsibilidade e calculabilidade da atuação estadual” e de “transparência dos atos dos poderes públicos, designadamente os suscetíveis de afetarem negativamente os particulares”. É usual falar, a esse respeito, de uma vertente “objetiva” do princípio (a primeira), que se exprime mais pro- priamente no princípio da “segurança jurídica”, e de uma vertente “subjetiva” (a segunda), que se traduzirá justamente no princípio da “confiança” – da garantia da confiança dos particulares nas regras jurídicas com base nas quais ordenam a sua vida e nos efeitos jurídicos, produzidos pelos poderes públicos, que lhes digam respeito. As exigências destes princípios projetam-se desde logo sobre a Administração pública, adstrita a atuar segundo, inter alia, um princípio de boa-fé (como, entre nós, a Constituição expressamente proclama: artigo 266.º, n.º 2); mas estendem-se ao próprio legislador – ao qual também não será consentido que opere toda e qualquer mudança do ordenamento, independentemente do seu grau de previsibilidade, da extensão dos efeitos temporais de que se revista e da intensidade com que afete a situação jurídica ou a razoável expectativa dos respetivos destinatários.
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