TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

570 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Sucede que, sem prejuízo da autonomia dogmática e sistemática que vem sendo reconhecida ao direito de mera ordenação social, subsistem princípios comuns aos vários “direitos sancionatórios”. A esse reco- nhecimento não é imune a jurisprudência constitucional que, no Acórdão n.º 574/95 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , esclareceu – a este propósito – que o “o princípio da legalidade das sanções, o princípio da culpa, e bem assim, o princípio da proibição de sanções de duração ilimitada ou indefinida valem, na sua ideia essencial, para todo o direito sancionatório público, maxime , para o domínio do direito de mera ordenação social”. Ora, visto que o princípio da pessoalidade das penas radica em boa medida no facto de qualquer sanção punitiva implicar um juízo de censura (social ou ético-jurídica), pressupondo a imputação subjetiva de uma conduta ao agente a título de culpa, há que retirar que a exigência de pessoalidade deve estender-se a todos os domínios sancionatórios, inclusivamente, portanto, à responsabilidade contraordenacional. Ocorre, porém, que a responsabilidade (solidária) gizada no n.º 3 do artigo 551.º do Código do Trabalho (2009) não cum- pre este imperativo de pessoalidade, pois permite, admitindo o que foi dito supra, que a coima recaia sobre pessoa diferente daquela a que é assacado o cometimento da infração. Daí que se conclua pela inconstitucionalidade do preceito vertente, por violação do princípio da pes- soalidade das penas (e das demais sanções de matriz punitiva), extraído do artigo 30.º, n.º 3, da CRP. – José da Cunha Barbosa. DECLARAÇÃO de voto Acompanho a decisão e, no geral, a fundamentação, mas desta me afasto, em aspectos pontuais relevan- tes, em particular em relação a certas posições assumidas no âmbito do ponto 10. Começo por ter as maiores dúvidas que a norma do artigo 30.º, n.º 3, da CRP, possa ser qualificada, em rigor, como um princípio, não obstante ser esta a designação que comumente lhe é dada. Se olharmos para o enunciado (“a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”), a sua estrutura corresponde antes, limpidamente, à de uma regra: tanto a previsão como a estatuição são bem precisas e determinadas e o seu conteúdo não aponta um direcção valorativa, a concretizar, no caso concreto, mediante a mediação constitutiva do legislador ou do intérprete, antes nos transmite, de forma imediata e acabada, uma prescrição proibitiva. De todo o modo, a qualificação, contrariamente ao que é dito, não “é determinante para a correta reso- lução da questão de constitucionalidade” Isto porque, desde logo, a qualificação como regra não resolveria “decididamente” a questão de saber se a sua previsão abrange ainda o domínio contraordenacional ou este dela está excluído. Também as regras, inclusive as constitucionais (ainda que, porventura, em menor grau), podem ser objeto de extensão aplica- tiva, por via interpretativa. O Acórdão hipervaloriza, a meu ver, o alcance da distinção entre regras e princípios, no âmbito do sistema dos direitos fundamentais. A fixação do âmbito de proteção, em concreto, de qualquer norma de reconhecimento de um direito fundamental exige sempre uma metódica de ponderação, que leve em conta a tutela conflituante concedida a outros bens igualmente objeto de proteção constitucional. Tal não depende da natureza da norma de reconhecimento, mas da necessária articulação dos recíprocos efeitos restritivos, em concreto, de direitos conflituantes entre si. Não será, pois, a qualificação como regra que impedirá “uma interpretação integrada da Constituição enquanto sistema normativo unitário”. O que é decisivo – e essa operação leva-a a cabo o Acórdão – é saber se, do ponto de vista material-valo- rativo, as exigências decorrentes do princípio da pessoalidade que, no âmbito penal, conduzem à regra estrita do n.º 3 do artigo 30.º, valem, no domínio contraordenacional, com uma intensidade tal que se oponham a

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