TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

569 acórdão n.º 201/14 da coima em que a pessoa coletiva fora condenada, pois tanto bastaria para que aquela garantia de satisfação fosse alcançada (João Soares Ribeiro, “Análise do Novo Regime Geral das Contraordenações”, in Questões Laborais, 2000, p. 20). Não há que ensaiar, porém, qualquer separação fictícia entre a responsabilidade pelo cometimento da contraordenação, a recair sobre a pessoa coletiva, e a responsabilidade pelo pagamento da coima, a recair sobre a pessoa coletiva e respetivos administradores ou gerentes (vide Nuno Brandão, “O regime sanciona- tório das pessoas coletivas na revisão do Código Penal”, in Direito Penal Económico e Europeu – textos doutri- nários, Coimbra Editora, 2009, p. 469). Isto porque a coima constitui uma “sanção de caráter repressivo”, entendida enquanto “advertência social ao agente”, pelo facto de este não ter respeitado a ordem vigente, e cuja finalidade é essencialmente a de “reafirmação dessa mesma ordem vigente” (Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pp. 165-166; e João Matos Viana, “A (in)constitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelas coimas aplicadas à sociedade”, in Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, n.º 2, 2009, p. 203). Como é bom de ver, o artigo 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho (2009) permite que um terceiro, que não o agente do facto, seja corresponsabilizado pelo pagamento da coima, “independentemente da sua parti- cipação na comissão da infração” (Nuno Brandão, op. cit. , p. 470), corresponsabilização essa que o legislador não tenta, desta feita, escamotear sobre o “manto diáfano” da responsabilidade civil, antes acentua através da consagração de um regime de responsabilidade solidária ao invés de subsidiária. Em segundo lugar, estando em causa apurar de uma eventual violação do princípio da pessoalidade das penas, dedutível a partir do n.º 3 do artigo 30.º da CRP, na medida em que aí se verte que “a respon- sabilidade penal é insuscetível de transmissão”, sendo certo que doutrina e jurisprudência avançam que tal preceito obsta a que “a pena recaia sobre uma pessoa diferente da que praticou o facto que lhe serve de fundamento” (cfr. o Acórdão n.º 337/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt e Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 504), há que indagar se essa proibição se deve estender também à responsabilidade contraordenacional (cfr. o Acórdão n.º 160/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Não se ousa aqui questionar as diferenças que medeiam entre o ilícito penal e o ilícito de mera orde- nação social. Essas diferenças resultam, desde logo, da génese do direito contraordenacional: com efeito, as contraordenações, sucessoras das contravenções, são expressão do movimento de descriminalização, que ambiciona reservar para o direito penal, enquanto ultima ratio da política social, as condutas que violem bens jurídicos claramente individualizáveis, pondo em causa as condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento da personalidade de cada homem (Figueiredo Dias, “O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Direito Penal Económico e Europeu – textos doutrinários, vol. I, Coim- bra Editora, 2009, p. 21). Já o ilícito de mera ordenação social caracteriza-se pela neutralidade ético-jurídica da conduta que lhe está subjacente, ou seja, pelo facto de o desvalor da conduta sancionada não ser algo de ontológico, derivando exclusivamente da proibição legal que a determina. Daqui decorre que a culpa contraordenacional não exprime já um juízo ético de censura sobre a ati- tude interna manifestada pelo agente perante os valores do Direito, traduzindo-se antes numa advertência social sem qualquer conotação ou estigma ético-social (Augusto Silva Dias, “Crimes e Contraordenações”, in Direito Penal Económico e Europeu – textos doutrinários, vol. II, Coimbra Editora, 2009, p. 441). Destarte, “tendo em conta o que acima se referiu, seja na caracterização diferencial entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional, seja no que tange à dissemelhança dos elementos subjetivos de um e de outro dos ilí- citos, ser-se-á levado a concluir que se trata de realidades muito diversas” (vide o Acórdão n.º 245/00, bem como os Acórdãos n. os 158/92, 344/93, 50/99, 473/01, 395/02, 50/03, 62/03, 249/03, 469/03, 492/03, 77/05, 325/05, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , diversidade essa que, em última instân- cia, se concretiza na libertação da legislação contraordenacional relativamente àquelas que são as categorias e os corolários formais do direito criminal (Eduardo Correia, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social”, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLIX, p. 268).

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