TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

566 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sacrificar os princípios da culpa ou da necessidade e subsidiariedade das penas, atento o peso próprio que estes últimos encontram num sistema constitucional fundado na dignidade da pessoa (por exemplo, os já citados Acórdãos n. os 288/98 e 617/06). Diversamente se passarão as coisas no domínio contra-ordenacional, precisamente por aí valerem com “menos rigor” ou com “menos intensidade” os princípios que integram as normas da Constituição com relevo penal. 12. Tal significa que, prima facie , também no domínio contraordenacional valerá o princípio da proi- bição de transmissão da responsabilidade, devendo tal princípio ser tido em conta na ponderação efetuada, desde logo, pelo legislador na configuração do ilícito contraordenacional. Por sua vez, deve o Tribunal Constitucional, ao apreciar a conformidade constitucional de uma norma em matéria contraordenacional, verificar se, na ponderação efetuada em sede legislativa, o princípio da proi- bição de transmissão da responsabilidade foi devidamente integrado. No que respeita ao critério de densidade de controlo, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitu- cional já referida, que, no domínio contraordenacional, é de reconhecer um maior poder de conformação do legislador, o que vale por dizer que deve o Tribunal limitar-se a um controlo de evidência. Ora, a norma sub judicio , ao comprimir, é certo, o princípio da proibição de transmissão da responsabi- lidade, fá-lo em observância de deveres estaduais de proteção ou de prestação de normas, impendentes sobre o legislador ordinário, destinados a proteger bens jusfundamentais face a potenciais agressões provindas de terceiros, que se extraem do artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da Constituição. Com efeito, através da responsabilização dos respetivos administradores, dirigentes ou diretores pelo pagamento de coima aplicada à pessoa coletiva responsável pela contraordenação laboral, o legislador terá pretendido tornar mais eficaz a efetivação do sistema sancionatório num domínio em que a Constituição lhe comete expressamente deveres de proteção, ainda que sacrificando o princípio da proibição de transmissão da responsabilidade. Qualquer juízo sobre a razoabilidade da ponderação, efetuada pelo legislador ordinário, passa por pesar a intensidade do sacrifício imposto pela norma sub judicio ao princípio da proibição de transmissão da res- ponsabilidade e a vantagem que através dela se obtém para efeitos da proteção dos deveres estaduais que se extraem do artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da Constituição. No que respeita ao primeiro aspeto, verifica-se que a norma sub judicio não sacrifica totalmente o prin- cípio da proibição de transmissão da responsabilidade. Com efeito, os sujeitos ficam apenas responsáveis pelo pagamento da coima, não lhes sendo transmitida a autoria do ilícito contraordenacional em si mesma considerada (vide, supra, ponto 6). A isso acresce que a transmissão da responsabilidade não opera entre indivíduos mas sim entre uma pes- soa coletiva, entidade responsável pela contraordenação laboral, e titulares de órgãos executivos dessa mesma pessoa coletiva. Dada a conexão objetivamente existente entre o sujeito passivo responsável pela contraor- denação e os sujeitos que, nos termos da norma sub judicio , ficam responsáveis pelo pagamento da coima, não se afigura que a compressão do princípio da proibição de transmissão da responsabilidade se aproxime sequer do seu núcleo. Por sua vez, no que se refere à vantagem que através dela se obtém para efeitos da proteção dos deveres estaduais que se extraem do artigo 59.º, n.º 1, alínea c) , é admissível o entendimento segundo o qual o envol- vimento, através da assunção coerciva da responsabilidade pelo pagamento da coima, dos administradores, gerentes ou diretores da pessoa coletiva responsável pela contraordenação-laboral, garante, diretamente, uma maior eficácia na cobrança efetiva da coima, e, através disso, indiretamente, uma mais elevada probabilidade de que a infração não chegará sequer a ser cometida, assim se protegendo melhor bens jusfundamentais. Assim, porque não é possível, segundo um critério de evidência, asseverar que é desnecessário para efei- tos de cumprimento dos referidos deveres de proteção o mecanismo de corresponsabilização pelo pagamento

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=