TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
565 acórdão n.º 201/14 A caracterização da norma em questão como princípio é determinante para a correta resolução da ques- tão de constitucionalidade. Com efeito, se se partisse antes do entendimento segundo o qual o preceito constitucional contém uma regra, a resposta à questão de saber se a sua previsão normativa abrange ainda o domínio contraordenacional ou este dela está excluído seria decididamente neste último sentido. Desde logo, nos termos do texto do preceito constitucional apenas é expressamente proibida a transmissão da «responsabilidade penal». A isso acresce que nenhum cânone interpretativo permite que se chegue a um resultado interpretativo que estenda a proibição nela contida a uma responsabilidade de outra natureza (no que respeita à evolução do texto constitucional, vide as considerações feitas no já referido Acórdão n.º 160/04), sendo de difícil superação o argumento segundo o qual, se a Constituição quisesse estabelecer uma proibição de transmissão da sanção além do domínio penal, então não teria confinado a proibição à responsabilidade penal. Simplesmente, o artigo 30.º, n.º 3, da Constituição não contém uma regra, mas antes um princípio. Qualquer outro entendimento – que, partindo da sua qualificação como regra, se determinasse pela exclusão do domínio contraordenacional do seu âmbito de aplicação – estaria em contradição com o sis- tema normativo da Constituição no que se refere à extensão ao domínio contraordenacional dos princípios constitucionais com relevo em matéria penal, tal como desenvolvida, ainda que de forma fragmentária, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (vide, supra, ponto 9). Do princípio da unidade da Constituição decorre que a resolução da questão de constitucionalidade com a qual o Tribunal Constitucional é confrontado não fique dependente de uma leitura isolada de um determinado preceito constitucional – in casu , o artigo 30.º, n.º 3 –, antes se impondo uma interpretação integrada da Constituição enquanto sistema normativo unitário. Aliás, foi precisamente esse método de interpretação (o que tem em conta o tópico da unidade da Cons- tituição) que o próprio Tribunal sempre usou, relativamente à determinação do sentido das normas cons- titucionais com relevo penal. Assim, por exemplo, naquele conjunto de decisões em que foi afirmando que a política criminal de um Estado de direito não poderia deixar de ser uma política assente nos princípios da culpa, da necessidade das penas e das medidas de segurança, da subsidiariedade das penas e da humanidade (vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 83/95 e 548/01), o Tribunal partiu, para fundamentar toda a sua construção, das ideias da dignidade da pessoa e de Estado de direito em sentido material, decorrentes dos artigos 1.º e 2.º da CRP. Ao fazê-lo, teve evidentemente em linha de conta a unidade do sistema norma- tivo da Constituição. Como teve em linha de conta que as normas desse sistema que expressamente se refe- rem ao domínio das penas e do processo judicial que as aplica têm a estrutura de princípios e não de regras. Tal decorre, não apenas da designação que sempre atribuiu aos “comandos” contidos nessas normas ou delas decorrentes (princípio da culpa, princípio da necessidade da pena, princípio da subsidiariedade), mas ainda do facto de se não ter eximido de proceder a balanceamentos e ponderações entre os valores jurídicos por esses princípios tutelados e outros valores, também com assento constitucional (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n. os 288/98 e 617/06). Assim, se não restam dúvidas que as normas constitucionais com relevo penal têm a natureza e estrutura de princípios, também não restam dúvidas de que tais princípios valerão para o domínio contra-ordenacio- nal, não “com o mesmo rigor” ou com o mesmo grau de exigência” com que valem para o domínio criminal, mas apenas na sua “ideia essencial”. Esta é pois a conclusão firme que se pode retirar da rica jurisprudência constitucional sobre o tema (vide, supra , ponto 9). 11. Uma das características dos princípios é a sua capacidade de acomodação ou de adaptação face a outros que com eles conflituam. No domínio do direito penal, a acomodação dos princípios constitucionais a outros valores que com eles conflituam deve fazer-se (desde logo, por via legislativa), tendo em conta o particular peso dos bens jurídicos individuais que as normas que consagram os primeiros tutelam. Por isso mesmo, tem-se entendido que o dever, que impende sobre o Estado, de emitir normas de protecção de bens jusfundamentais não pode
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